sábado, maio 27, 2006

O "Modelo" Colombiano



A imprensa brasileira nunca cansa de me surpreender, particularmente em sua cobertura sobre América Latina. A novidade da semana é que nossos jornalistas descobriram o “modelo” colombiano de segurança pública e que consistiria em adotar políticas de linha dura contra o crime, colocando muitos policiais nas ruas. O sucesso dessa estratégia miraculosa estaria comprovado pela reeleição do presidente Álvaro Uribe, que venceu a disputa deste domingo com mais de 60% dos votos. Certo?

É natural que depois dos atentados terroristas em São Paulo a opinião pública brasileira esteja atrás de respostas rápidas, simples e baratas para resolver de uma vez por toda o problema da violência. Só que não existem panacéias desse tipo. A Colômbia é um alerta, mais do que um exemplo, para o Brasil.

A Colômbia não é o país mais pobre, nem o mais desigual, nem o mais fragmentado da América Latina. Por que virou um inferno de violência fratricida? Posso citar os fatos principais da tragédia, mas não encontro suas razões essenciais. De 1948 para cá a rotina colombiana tem sido de guerras civis. Primeiro entre liberais e conservadores, depois entre guerrilhas marxistas e o governo, mais tarde entre remanescentes dos grupos comunistas, paramilitares, traficantes de drogas e autoridades. Traçar a linha de separação entre quem é quem é tarefa árdua.

Ao longo da década de 90, os grandes cartéis de droga de Cali e Medellín foram desmantelados, com a conseqüência de que esse comércio se tornou mais fragmentado entre pequenos chefes locais e talvez mais difícil de controlar. Os governos de Cesar Gavíria (1990-1994) e Andrés Pastrana (1998-2002) iniciaram negociações com os diversos grupos armados numa tentativa desesperada de paz e estabilidade para o país. Não deu certo, em meio a acusações mútuas de desonestidade e falta de compromisso com a reconciliação nacional. Pastrana também implementou o polêmico Plano Colômbia, pelo qual os EUA investem bilhões de dólares na militarização do combate ao narcotráfico.

Uribe foi eleito pela primeira vez em 2002, já no contexto da “guerra ao terror” após o 11 de setembro. Foi hábil em afirmar que a Colômbia vivia o mesmo problema e o discurso duro ganhou a eleição e conquistou simpatia e apoio de Bush. Conseguiu inclusive usar o dinheiro do Plano Colômbia para combater as FARCs e o ELN, o que é proibido pelo Congresso dos EUA. Sua política teve relativo sucesso em desmobilizar alguns grupos paramilitares. Analistas apontam que terá que negociar com os rebeldes em seu segundo mandato.

Os problemas da violência e da guerrilha persistem. Isso explica porque 57% dos colombianos se abstiveram de votar nas eleições presidenciais de domingo. Não vêem nos políticos soluções para o país. Significado: na prática, apenas 26% dos eleitores de fato deu apoio a Uribe. Outro ponto interessante é que ele se elegeu nas duas vezes como líder de uma coalizão de pequenos partidos, sinal da decadência das agremiações tradicionais, Conservadores e Liberais, que têm fortíssima tradição naquele país.

As eleições presidenciais de domingo e as legislativas que aconteceram em março também marcaram a ascensão de uma nova força de esquerda no país: o Pólo Democrático de Carlos Gavíria (não há parentesco com o ex-presidente Cesar Gaviria, mas o Globo confundiu os dois). Mesmo em meio ao terrorismo e à violência, há sinais de mudanças na Colômbia.

2 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

e a suposta - mas não menos pavorosa - proposta de Uribe de implantar microchips nos trabalhadores temporários...?!! Que bom que li este texto, Prof M., pois devo confessar que andei cogitando votar nulo (como forma de marcar protesto, etc.) mas agora que sei que 57% dos eleitores colombianos se absteve, não deixarei de votar de jeito nenhum! Saludos, a.

maio 30, 2006 10:53 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Pois é, Alexandra. A imprensa brasileira não cobriu as eleições colombianas: simplesmente projetou no país vizinhos medos e anseios da população do Brasil.

Abraços

maio 31, 2006 11:29 PM  

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