Lembrai-vos do Acre!
Evo Morales declarou durante a cúpula América Latina-União Européia que “a Bolívia trocou o Acre por um cavalo” e que não faria o mesmo com o gás natural. Não é todo dia que minhas aulas sobre história da política externa brasileira ficam tão contemporâneas.
No período que passou à frente do Itamaraty (1902-12) o barão do Rio Branco realizou obra notável, principalmente no que toca à consolidação das fronteiras brasileiras. O conflito mais complexo foi com a Bolívia, pelo Acre. Região remota, rica em borracha (o grande produto de exportação da época) e reclamada por ambos os países. A coisa esquentou quando os bolivianos arrendaram a área a uma empresa americana, que administraria o território. O barão se apavorou: temiam que ocorresse na América do Sul o mesmo que acontecia na África, onde companhias semelhantes governavam verdadeiros impérios.
O acesso ao Acre era feito por rios da Amazônia brasileira, e muitos seringueiros do Brasil ocuparam a região, rebelando-se contra a autoridade boliviana. Na negociação diplomática que se seguiu, Rio Branco usou todas as armas: indenizações financeiras, promessas de obras de infraestrutura (a infame “ferrovia da morte”, Madeira-Mamoré) e mobilização militar (um dos oficiais que marchou à fronteira era o jovem cadete Getúlio Vargas).
O barão havia estabelecido uma “aliança não-escrita” com os EUA, pela qual o Brasil apoiava aquele país em questões internacionais (inclusive ocupação de países na América Central e Caribe) em troca do auxílio de Washington aos objetivos brasileiros na América do Sul. Tal apoio foi decisivo no Acre: um dos acionistas da empresa que arrendou o território era o filho do presidente dos EUA!
O que deu errado na atual política externa brasileira? Me parece que foi especialmente a tensão entre os objetivos globais do Brasil (a quimera do Conselho de Segurança) e as metas regionais de integração sul-americana. O relacionamento com a Argentina, de importância crucial, foi relegado a segundo plano. A diplomacia brasileira ficou de lado em meio à dificílima renegociação da dívida externa empreendida por Kirchner.
A falta de ação brasileira abriu caminho para que a Venezuela, enriquecida pela alta no petróleo, virasse a campeã da integração. Chávez apoiou Kirchner na questão da dívida, na criação da Telesur e iniciou sua própria diplomacia de ajuda econômica e auxílio técnico, da qual Morales, Castro e Humala são os principais clientes. Um contrapeso à influência brasileira. E a tradicional sensibilidade dos hispano-americanos ao projeto “Brasil Potência”. Afinal, os EUA não são o único império das Américas. A anexação do Acre espelha a do Texas. Os texanos gritavam “lembrai-vos do Alamo!” para celebrar sua luta. O nosso imperialismo foi mais negociado. Como sempre. Os bolivianos dizem que o presidente Pando Soares, que vivia bêbado, trocou o Acre por um cavalo.
Ah, sim. Depois de provocar crises diplomáticas com os EUA e o México por causa da novela “América”, Gloria Perez ataca novamente com uma inacreditável minissérie sobre a história do Acre. Provocação pura. Dizem que Evo planeja invadir o Projac.
No período que passou à frente do Itamaraty (1902-12) o barão do Rio Branco realizou obra notável, principalmente no que toca à consolidação das fronteiras brasileiras. O conflito mais complexo foi com a Bolívia, pelo Acre. Região remota, rica em borracha (o grande produto de exportação da época) e reclamada por ambos os países. A coisa esquentou quando os bolivianos arrendaram a área a uma empresa americana, que administraria o território. O barão se apavorou: temiam que ocorresse na América do Sul o mesmo que acontecia na África, onde companhias semelhantes governavam verdadeiros impérios.
O acesso ao Acre era feito por rios da Amazônia brasileira, e muitos seringueiros do Brasil ocuparam a região, rebelando-se contra a autoridade boliviana. Na negociação diplomática que se seguiu, Rio Branco usou todas as armas: indenizações financeiras, promessas de obras de infraestrutura (a infame “ferrovia da morte”, Madeira-Mamoré) e mobilização militar (um dos oficiais que marchou à fronteira era o jovem cadete Getúlio Vargas).
O barão havia estabelecido uma “aliança não-escrita” com os EUA, pela qual o Brasil apoiava aquele país em questões internacionais (inclusive ocupação de países na América Central e Caribe) em troca do auxílio de Washington aos objetivos brasileiros na América do Sul. Tal apoio foi decisivo no Acre: um dos acionistas da empresa que arrendou o território era o filho do presidente dos EUA!
O que deu errado na atual política externa brasileira? Me parece que foi especialmente a tensão entre os objetivos globais do Brasil (a quimera do Conselho de Segurança) e as metas regionais de integração sul-americana. O relacionamento com a Argentina, de importância crucial, foi relegado a segundo plano. A diplomacia brasileira ficou de lado em meio à dificílima renegociação da dívida externa empreendida por Kirchner.
A falta de ação brasileira abriu caminho para que a Venezuela, enriquecida pela alta no petróleo, virasse a campeã da integração. Chávez apoiou Kirchner na questão da dívida, na criação da Telesur e iniciou sua própria diplomacia de ajuda econômica e auxílio técnico, da qual Morales, Castro e Humala são os principais clientes. Um contrapeso à influência brasileira. E a tradicional sensibilidade dos hispano-americanos ao projeto “Brasil Potência”. Afinal, os EUA não são o único império das Américas. A anexação do Acre espelha a do Texas. Os texanos gritavam “lembrai-vos do Alamo!” para celebrar sua luta. O nosso imperialismo foi mais negociado. Como sempre. Os bolivianos dizem que o presidente Pando Soares, que vivia bêbado, trocou o Acre por um cavalo.
Ah, sim. Depois de provocar crises diplomáticas com os EUA e o México por causa da novela “América”, Gloria Perez ataca novamente com uma inacreditável minissérie sobre a história do Acre. Provocação pura. Dizem que Evo planeja invadir o Projac.
8 Comentarios:
Canário!
Essa mulher é terrorista Maurício.
Ela quer nos meter numa guerra de qualquer jeito...
Tem uma coisa que eu ainda não entendi nessa história do Evo.
Se o Brasil deixar de comprar gás deles eles vão fazer o que com ele?
Mesmo se diminuir a coisa fica muito feia pra própria Bolivia.
E tem uma outra coisa. Qual foi o gênio que nos fez depender exclusivamente do gás boliviano?
E afinal o que o Chavez vai ganhar colocando a Bolivia numa grande furada?
Nessa história toda tem uma coisa que me soa estranho, vejo uns caras falando em medidas mas duras contra a bolivia. Seria invadir a bolivia que esses caras estão falando? Essa semana escutei um cara falar nisso, que se fosse no governo militar já teriam colocado tropas na fronteira :-)
Eu juro que estou acompanhando, mas não consegui entender o que se quer realmente nessa história.
Grande André,
lembra daquela lista que fazíamos na StarMedia sobre quem deveria ser fuzilado quando a Revolução triunfar? Acho que Gloria Perez desbancou Xuxa do primeiro lugar.
O gênio que nos fez depender do gás boliviano se chama FHC. Em seu governo se construiu o gasoduto e a Petrobras realizou o investimento bilionário.
Penso que os bolivianos estão agindo tendo em vista a enorme instabilidade mundial no mercado de gás. Há poucas opções para as empresas. Mas claro que é uma estratégia arriscada, fruto de um país onde os ânimos estão exaltados. Tudo ou Nada.
Chávez quer transformar a Venezuela no centro energético do continente: petróleo, gás e energia nuclear. Daí a influência sobre a Bolívia.
Ainda temos muitas emoções pela frente em nossa América, meu caro...
Abraços
Gostei muito do post. Eu tinha lido recentemente sobre a questão acreana, por causa da crise da Bolívia, mas você resumiu bem.
Sobre a minissérie de Gloria Perez, parece que ela já estava planejada antes da crise, e, afinal de contas, o livro de Márcio Souza é um clássico recente da literatura brasileira.
De qualquer forma, não duvido que a mão de chumbo habitual de Gloria Perez vá pesar o suficiente para azedar ainda mais as relações entre os dois países.
Salve, Marcus.
A relação com a Bolívia está em alta na Globo, afinal a construção da Madeira-Mamoré rendeu "Mad Maria" em 2005, adaptado do livro do Márcio Souza.
A Gloria Perez ameaça contar a história do Acre desde a anexação do território até Chico Mendes. Deus nos proteja a todos.
Abraços
O detalhe intrigante, Maurício, é que até hoje o Itamaraty mantém sigilo sobre a documentação relativa ao Acre, para evitar reabrir esse caso até hoje mal contado... Suspeito que o cavalo era manco.
Há entre deuas mil a sete mil famílias brasileiras na fronteira do ACre, na região de Pando, hoje em dia, praticando o mesmo tipo de cultura de subsistência e extrativista que aqueles primeiros causadores da aquisição do ACre. O Governo boliviano quer se livrar deles e só não o fez até agora porque o Itamaraty mostrou a caca que seria na opinião pública brasileira. Esse é o próximo capítulo da novela: vamos ver se Glória Perez chega até aí.
off topic: (tua orientadora não está mais naquele centro de estudos, s´[o na Torcuato di Tella! Ainda não a achei... mas obrigado pelos telefones)
abração
Caro Sergio,
é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que alguém pesquisar nos arquivos do MRE. Até a documentacao sobre a guerra do Paraguai continua sigilosa.
O que me leva a crer, evidentemente, que boa coisa nao fizemos com nossos vizinhos. Desconfio que o tal cavalo nao passava era de um cachorro disfarcado.
Boa sorte com a Monica, ela ficou de entrar em contato comigo ainda esta semana, para me enviar uma carta que preciso para a bolsa.
Abracos
...Não demora muito ele vai pra TV fazer pidada de seringueiro, dizer que no Acre tudo mundo tira leite de pau...
É Maurício, hj em dia Gloria Perez ia primeiro ao paredão primeiro com direito a televisionamento...
Qual vai ser a experiência estranha na série? Chico Mendes vai ser touro bandido ou o mocinho?
Qual minoria com sotaque vai ficar dançando o tempo todo com trajes típicos cairá de paraquedas no Acre? Eu estou apostando em família russa...
Aliás, seria acrescentado alguns nomes que antes iriam atirar e agora virariam presunto. Pra começar José Dirceu, etc...
O que acho é que poderia negociar preço do gás e certamente conseguiriam aumentar o preço como aconteceu no mundo todo. Tudo bem, o discurso do Evo é pra consumo interno, mas mesmo assim acho que ele exagerou.
O Chavez nunca vai ter o respeito de todos, mas tem petróleo pra fazer meia duzias de graças, o Evo não tem cacife pra isso e vai acabar trazendo mais problemas pra eles do que solução.
De qualquer forma.
Viva a Revolução!!!
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