domingo, maio 14, 2006

Lembrai-vos do Acre!

Evo Morales declarou durante a cúpula América Latina-União Européia que “a Bolívia trocou o Acre por um cavalo” e que não faria o mesmo com o gás natural. Não é todo dia que minhas aulas sobre história da política externa brasileira ficam tão contemporâneas.

No período que passou à frente do Itamaraty (1902-12) o barão do Rio Branco realizou obra notável, principalmente no que toca à consolidação das fronteiras brasileiras. O conflito mais complexo foi com a Bolívia, pelo Acre. Região remota, rica em borracha (o grande produto de exportação da época) e reclamada por ambos os países. A coisa esquentou quando os bolivianos arrendaram a área a uma empresa americana, que administraria o território. O barão se apavorou: temiam que ocorresse na América do Sul o mesmo que acontecia na África, onde companhias semelhantes governavam verdadeiros impérios.

O acesso ao Acre era feito por rios da Amazônia brasileira, e muitos seringueiros do Brasil ocuparam a região, rebelando-se contra a autoridade boliviana. Na negociação diplomática que se seguiu, Rio Branco usou todas as armas: indenizações financeiras, promessas de obras de infraestrutura (a infame “ferrovia da morte”, Madeira-Mamoré) e mobilização militar (um dos oficiais que marchou à fronteira era o jovem cadete Getúlio Vargas).

O barão havia estabelecido uma “aliança não-escrita” com os EUA, pela qual o Brasil apoiava aquele país em questões internacionais (inclusive ocupação de países na América Central e Caribe) em troca do auxílio de Washington aos objetivos brasileiros na América do Sul. Tal apoio foi decisivo no Acre: um dos acionistas da empresa que arrendou o território era o filho do presidente dos EUA!

O que deu errado na atual política externa brasileira? Me parece que foi especialmente a tensão entre os objetivos globais do Brasil (a quimera do Conselho de Segurança) e as metas regionais de integração sul-americana. O relacionamento com a Argentina, de importância crucial, foi relegado a segundo plano. A diplomacia brasileira ficou de lado em meio à dificílima renegociação da dívida externa empreendida por Kirchner.

A falta de ação brasileira abriu caminho para que a Venezuela, enriquecida pela alta no petróleo, virasse a campeã da integração. Chávez apoiou Kirchner na questão da dívida, na criação da Telesur e iniciou sua própria diplomacia de ajuda econômica e auxílio técnico, da qual Morales, Castro e Humala são os principais clientes. Um contrapeso à influência brasileira. E a tradicional sensibilidade dos hispano-americanos ao projeto “Brasil Potência”. Afinal, os EUA não são o único império das Américas. A anexação do Acre espelha a do Texas. Os texanos gritavam “lembrai-vos do Alamo!” para celebrar sua luta. O nosso imperialismo foi mais negociado. Como sempre. Os bolivianos dizem que o presidente Pando Soares, que vivia bêbado, trocou o Acre por um cavalo.

Ah, sim. Depois de provocar crises diplomáticas com os EUA e o México por causa da novela “América”, Gloria Perez ataca novamente com uma inacreditável minissérie sobre a história do Acre. Provocação pura. Dizem que Evo planeja invadir o Projac.

8 Comentarios:

Blogger Bucaneiro Carioca said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Canário!
Essa mulher é terrorista Maurício.
Ela quer nos meter numa guerra de qualquer jeito...
Tem uma coisa que eu ainda não entendi nessa história do Evo.
Se o Brasil deixar de comprar gás deles eles vão fazer o que com ele?
Mesmo se diminuir a coisa fica muito feia pra própria Bolivia.
E tem uma outra coisa. Qual foi o gênio que nos fez depender exclusivamente do gás boliviano?
E afinal o que o Chavez vai ganhar colocando a Bolivia numa grande furada?
Nessa história toda tem uma coisa que me soa estranho, vejo uns caras falando em medidas mas duras contra a bolivia. Seria invadir a bolivia que esses caras estão falando? Essa semana escutei um cara falar nisso, que se fosse no governo militar já teriam colocado tropas na fronteira :-)
Eu juro que estou acompanhando, mas não consegui entender o que se quer realmente nessa história.

maio 14, 2006 12:11 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Grande André,

lembra daquela lista que fazíamos na StarMedia sobre quem deveria ser fuzilado quando a Revolução triunfar? Acho que Gloria Perez desbancou Xuxa do primeiro lugar.

O gênio que nos fez depender do gás boliviano se chama FHC. Em seu governo se construiu o gasoduto e a Petrobras realizou o investimento bilionário.

Penso que os bolivianos estão agindo tendo em vista a enorme instabilidade mundial no mercado de gás. Há poucas opções para as empresas. Mas claro que é uma estratégia arriscada, fruto de um país onde os ânimos estão exaltados. Tudo ou Nada.

Chávez quer transformar a Venezuela no centro energético do continente: petróleo, gás e energia nuclear. Daí a influência sobre a Bolívia.

Ainda temos muitas emoções pela frente em nossa América, meu caro...

Abraços

maio 15, 2006 11:07 AM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Gostei muito do post. Eu tinha lido recentemente sobre a questão acreana, por causa da crise da Bolívia, mas você resumiu bem.

Sobre a minissérie de Gloria Perez, parece que ela já estava planejada antes da crise, e, afinal de contas, o livro de Márcio Souza é um clássico recente da literatura brasileira.

De qualquer forma, não duvido que a mão de chumbo habitual de Gloria Perez vá pesar o suficiente para azedar ainda mais as relações entre os dois países.

maio 15, 2006 11:26 AM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Salve, Marcus.

A relação com a Bolívia está em alta na Globo, afinal a construção da Madeira-Mamoré rendeu "Mad Maria" em 2005, adaptado do livro do Márcio Souza.

A Gloria Perez ameaça contar a história do Acre desde a anexação do território até Chico Mendes. Deus nos proteja a todos.

Abraços

maio 15, 2006 2:02 PM  
Blogger Sergio Leo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

O detalhe intrigante, Maurício, é que até hoje o Itamaraty mantém sigilo sobre a documentação relativa ao Acre, para evitar reabrir esse caso até hoje mal contado... Suspeito que o cavalo era manco.
Há entre deuas mil a sete mil famílias brasileiras na fronteira do ACre, na região de Pando, hoje em dia, praticando o mesmo tipo de cultura de subsistência e extrativista que aqueles primeiros causadores da aquisição do ACre. O Governo boliviano quer se livrar deles e só não o fez até agora porque o Itamaraty mostrou a caca que seria na opinião pública brasileira. Esse é o próximo capítulo da novela: vamos ver se Glória Perez chega até aí.

off topic: (tua orientadora não está mais naquele centro de estudos, s´[o na Torcuato di Tella! Ainda não a achei... mas obrigado pelos telefones)
abração

maio 15, 2006 5:02 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Caro Sergio,

é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que alguém pesquisar nos arquivos do MRE. Até a documentacao sobre a guerra do Paraguai continua sigilosa.

O que me leva a crer, evidentemente, que boa coisa nao fizemos com nossos vizinhos. Desconfio que o tal cavalo nao passava era de um cachorro disfarcado.

Boa sorte com a Monica, ela ficou de entrar em contato comigo ainda esta semana, para me enviar uma carta que preciso para a bolsa.

Abracos

maio 16, 2006 4:26 PM  
Blogger Glauco Paiva said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

...Não demora muito ele vai pra TV fazer pidada de seringueiro, dizer que no Acre tudo mundo tira leite de pau...

maio 17, 2006 6:42 PM  
Blogger Bucaneiro Carioca said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

É Maurício, hj em dia Gloria Perez ia primeiro ao paredão primeiro com direito a televisionamento...
Qual vai ser a experiência estranha na série? Chico Mendes vai ser touro bandido ou o mocinho?
Qual minoria com sotaque vai ficar dançando o tempo todo com trajes típicos cairá de paraquedas no Acre? Eu estou apostando em família russa...

Aliás, seria acrescentado alguns nomes que antes iriam atirar e agora virariam presunto. Pra começar José Dirceu, etc...

O que acho é que poderia negociar preço do gás e certamente conseguiriam aumentar o preço como aconteceu no mundo todo. Tudo bem, o discurso do Evo é pra consumo interno, mas mesmo assim acho que ele exagerou.

O Chavez nunca vai ter o respeito de todos, mas tem petróleo pra fazer meia duzias de graças, o Evo não tem cacife pra isso e vai acabar trazendo mais problemas pra eles do que solução.

De qualquer forma.
Viva a Revolução!!!

maio 17, 2006 7:45 PM  

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