segunda-feira, maio 08, 2006

O Dia em Que o Brasil Esteve Aqui


Há poucos filmes sobre a política externa brasileira – creio que o tema só foi abordado em meia dúzia de produções sobre a participação do país na Segunda Guerra Mundial. Por isso, é muito bem-vindo o documentário “O Dia em Que o Brasil Esteve Aqui”, de Caíto Ortiz e João Dornelas, que trata do “Jogo da Paz” entre Brasil e Haiti. A partida foi realizada em 2004 na capital haitiana, como gesto de relações públicas do governo Lula para marcar a liderança militar da missão de paz da ONU na ilha (Minustah).

O filme mostra a adoração que os haitianos têm pela seleção brasileira e toca na exploração do prestígio do futebol como uma manifestação do soft power do Brasil. O conceito foi cunhado pelo cientista político Joseph Nye, vice-ministro da Defesa no governo Clinton. Significa o poder oriundo da cultura, da admiração pelas instituições sociais e de outros fatores que complementam o hard power da economia, política e força militar.

Nye pensou o soft power como um mecanismo para facilitar a liderança mundial dos EUA, sem precisar recorrer a difíceis e custosas intervenções militares. O conceito caiu nas graças de muitos acadêmicos e diplomatas brasileiros por razões diferentes – um país pacífico como o Brasil seria admirado pelo soft power da música, das novelas, das artes e mesmo do respeito ao multilateralismo e ao direito internacional.

O documentário não entrevista diplomatas, mas faz um retrato favorável dos militares brasileiros no Haiti, mostrando-os preocupados com a população local e engajados em tarefas simpáticas, como distribuir camisas da seleção e bandeiras brasileiras a órfãos e crianças pobres. As cenas são bonitas, os meninos e os soldados estão emocionados. Mas fica também o sentimento de que os brasileiros não sabem bem qual objetivo político foram cumprir, além da quimera do Conselho de Segurança da ONU. Os militares distribuem seus brindes, vão embora, e tudo continua pobre, sujo e injusto no Haiti.

Nessas condições, o soft power serve para amenizar as complicadas relações entre a Minustah e a população, mas sem clareza de propósitos por parte do governo brasileiro, a coisa se limita à comoção provocada pela passagem da seleção – Parreira dá um belo depoimento dizendo que todos se lembrarão para sempre daquele dia. Lula diz as generalidades e bobagens de sempre sobre a admiração despertada pelo futebol brasileiro.

JD e eu escrevemos um artigo sobre futebol e política externa brasileira, publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional. Falamos do Haiti, claro, e nossa análise é que diversos governos desde Vargas usaram a seleção para vender uma boa imagem do Brasil, reforçando valores como alegria, criatividade, integração racial e até boas maneiras – o comportamento da torcida na Copa de 50 foi exemplar.

Além de ter nos dado a honra de figurar na revista ao lado de Armando Nogueira e Eduardo Galeano, o texto me chamou a atenção para várias análises brasileiras sobre futebol, sociedade e cultura, como a de Roberto DaMatta e José Miguel Wiznik. Também estou curioso para ler o jornalista inglês que afirma que o futebol explica a globalização - ganhei o livro de presente ontem. Em suma, o tema merece uma análise a fundo, com ou sem conquista do hexa.

4 Comentarios:

Blogger Marco Aurélio said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Mauricio

Fiz um post sobre o uso politico do futebol. Se quiser dar uma olhada.Esta no dia 22 de Fevereiro 2006.

Um abraço

Marco Aurélio

maio 08, 2006 12:09 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Salve, Marco.

Li seu post. Com certeza, os governos brasileiros utilizaram o sucesso no futebol para tentar legitimar regimes autoritários (penso no "Pra Frente Brasil", de 1970). Na Argentina talvez tenha sido ainda pior, com a Copa de 1978 totalmente roubada pelos militares de lá.

abraços

maio 09, 2006 1:53 PM  
Blogger Glauco Paiva said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

O futebol explica a globalização?!?
Tipo... porque a bola é redonda?
Por favor, mestre, leia o livro. Estou muito curioso para ouvir seus comentários sobre a tese em uma mesa de bar.

maio 09, 2006 3:33 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Salve, Fasa.

O título é ainda mais ambicioso rapaz: "Como o futebol explica o mundo - um olhar inesperado sobre a globalização", de Franklin Foer.

Os capítulos tem títulos malucos, como "Futebol e Questão Judaica".

Pela altura da pilha de livros, vou encará-lo na próxima semana. Depois escrevo sobre ele aqui.

A propósito, a FIFA tem mais países-membros do que a ONU...

Abraços

maio 09, 2006 3:45 PM  

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