sábado, maio 06, 2006

Amigos Absolutos



Você acredita que a guerra terminou porque um bando de nazistas na Alemanha Oriental trocou Lênin pela Coca-Cola? Acredita realmente que o capitalismo americano fará do mundo um lugar doce e seguro?

E não me venha com essas asneiras de Velha Europa...Estamos olhando é para a mais velha América. Puritanos fanáticos chacinando selvagens em nome do Senhor. É possível ser mais velho do que isso? Foi genocídio então, é genocídio agora, mas quem for o dono da verdade é o dono do jogo.


Uma amiga me disse que John Le Carré fez pelos romances de espionagem o que Dashiell Hammett empreendeu pela literatura policial: retirou as tramas dos jardins de rosas ingleses e as lançou às ruas. Com “O Espião Que Veio do Frio”, um dos clássicos do gênero, Le Carré inovou ao retratar agentes secretos como tipos solitários, paranóicos, alcoólatras, fracassados. Quando profetas apressados previram a extinção dessa corrente literária no pós-Guerra Fria, Le Carré novamente mudou, abordando temas como a ação descontrolada das transnacionais farmacêuticas (“O Jardineiro Fiel”).

“Amigos Absolutos” é Le Carré em sua melhor forma, um magnífico romance que conta as transformações no mundo da espionagem, da Guerra Fria ao 11 de setembro, através da história de dois amigos, o inglês Edward Mundy e o alemão Sasha. Quando o livro começa, Mundy sobrevive como guia turístico na Alemanha, atolado em dívidas e vivendo com uma ex-prostituta turca. É surpreendido pela visita de Sasha, que não vê há 10 anos, e lhe faz uma estranha proposta de emprego.

O romance entra num flashback entre 1947 e 1989, para narrar a “amizade absoluta” entre os dois. Mundy nasceu no Raj, o domínio britânico no subcontinente indiano. Uma paixão por idiomas o levou à Universidade de Oxford e dali a Berlim. Sasha é o filho rebelde de um pastor luterano que trocou a Alemanha Oriental pelo Ocidente.

Mundy e Sasha se conhecem na turbulenta Berlim dos anos 60, quando ambos são parte da ala radical do movimento estudantil numa cidade que fervilha com tensões internacionais (o Muro acabou de ser construído), choques com a polícia e a revolução comportamental em plena explosão. Mundy é deportado após um protesto estudantil e perde o contato com o amigo.

Inicia um período de confusão existencial e meio por acaso termina no British Council, como divulgador cultural. Numa viagem ao leste europeu, é procurado por Sasha, que pulou para o lado errado do Muro e virou agente da Stasi, a polícia secreta alemã-oriental. Ele propõe um acordo a Mundy e ambos iniciam uma perigosa rede de espionagem para a Inglaterra, que avança à medida que o Império Soviético se desintegra. Sasha desaparece após a queda do Muro e Mundy também vê seu mundo ruir, com o fim de seu casamento e um novo período de desorientação.

O reencontro na Alemanha unificada leva Mundy de volta para o mundo da espionagem, mas num cenário ainda mais perigoso do que aquele conheceu, marcado pela ascensão dos fundamentalismos religiosos, do terrorismo, da manipulação da imprensa e da opinião pública, dos crimes e mentiras cometidos pelos Estados. Suspense político de primeiríssima qualidade, e Le Carré chutando o balde de hipocrisias da nova ordem internacional, em particular do papel dos britânicos sob Tony Blair.

1 Comentarios:

Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Meu caro Igor,

é culpa minha se há um monte de escritor talentoso por aí?

Além do mais, não conte aos meus colegas acadêmicos, mas um bom romance ou um bom filme muitas vezes te ensina mais sobre política contemporânea do que uma tese ou dissertação.

Nosso almoço está confirmado, meus telefones estão no perfil do Orkut, pode checar lá.

Abraços

maio 08, 2006 10:16 AM  

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