terça-feira, maio 02, 2006

O Gás é Deles



O Brasil tem pelo menos cinco grandes interesses na Bolívia:

1) O gás natural que abastece 50% das necessidades nacionais.
2) As empresas brasileiras que operam por lá e são responsáveis por cerca de 20% do PIB boliviano.
3) Os cidadãos brasileiros que residem na Bolívia e tem grande importância na economia, sobretudo na plantação de soja.
4) O combate conjunto ao tráfico de drogas – boa parte da cocaína consumida no Brasil é plantada na Bolívia.
5) A estabilidade e crescimento econômico de um país importante para o processo de integração regional na América do Sul.

A decisão do presidente Evo Morales de nacionalizar o gás boliviano é um golpe apenas contra o segundo item dessa lista. O modo pelo qual a medida foi tomada – de surpresa, com o exército ocupando refinarias – piora as coisas. Morales criou um enorme problema para Lula, que parecia acreditar que seu bom relacionamento com o presidente boliviano serviria para conseguir uma solução satisfatória para ambos os países.

Por que Morales agiu de maneira tão tempestuosa? Seu comportamento durante a campanha presidencial foi ambíguo, mas a frase que mais repetia é que “a Bolívia quer sócios, não patrões”. Acreditei que ele fosse usar a pressão popular para rever os contratos e conseguir melhores condições para o Estado, mais transferência de tecnologia, contrapartidas sociais etc. Desejos bastante justos.

Não questiono o direito boliviano à nacionalização de suas riquezas naturais. Dezenas de países na América Latina e Oriente Médio fizeram o mesmo, inclusive o Brasil. O petróleo é nosso, lembram?

O decreto de nacionalização foi um lance arriscado para ganhar apoio nas eleições à Assembléia Constituinte, que ocorrem em julho. É fundamental para Morales conseguir a maioria, o que é difícil devido à fragmentação do sistema eleitoral boliviano.

O decreto presidencial se chama “Heróis do Chaco”. Refere-se à guerra entre Bolívia e Paraguai, nos anos 30, que resultou na derrota boliviana e na nacionalização do petróleo – o governo alegou que as petrolíferas estrangeiras conspiraram contra as autoridades durante o conflito. Vinte anos depois, a Revolução de 1952 fez outra nacionalização. Morales deu o recado: seus atos se situam numa longa história de disputas pelos recursos naturais do país.

Mas o mundo mudou. As condições internacionais de hoje restringem muito o espaço de manobra dos governos. Morales iniciou uma crise diplomática que pode fugir ao controle de todos, envolvendo 20 grandes empresas e os Estados que as apóiam – Brasil, Espanha, Reino Unido, Argentina. Vem aí uma seqüência de batalhas judiciais e políticas.

O principal prejudicado é o Brasil. Não só por ser o maior investidor na Bolívia, mas porque a política externa de Lula para a América do Sul virou um dos principais alvos dos ataques da oposição. O tom nos jornais e sites é de histeria. Naturalmente: não podem criticar a política econômica, que é a mesma do governo anterior. E os escândalos de corrupção são tema arriscado, pois envolveram vários partidos e podem abalar a todos, favorecendo um candidato oportunista como Garotinho.

Vale seguir os acontecimento pelo excelente blog Tordesilhas. Renato está na Bolívia fazendo o que eu gostaria: acompanhando in loco os principais fatos.

8 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Concordo com sua análise, Mestre. Tenho lido comentários histéricos contra e a favor da nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia, mas ainda acho que radicalizar ainda mais não vai resolver o problema. Só espero que as relações diplomáticas entre Brasil e Bolívia não sejam permanentement abaladas por esse episódio.

maio 03, 2006 8:56 AM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Olá Maurício,

Obrigado pela referência ao Tordesilhas. Escrevi um artigo (infelizmente um pouco longo) no qual dou um pouco do contexto histórico que levou à decisao de Evo Morales.

Basicamente acho que a jogada de Morales foi arriscada, mas calculada. E no fim das contas se vai chegar a um acordo minimamente satisfatório para as empresas. É verdade que o mundo mudou, mas acho que o atual contexto econômico, político e social está mais a favor da Bolívia. Evo está aproveitando de maneira muito inteligente o momento histórico. Coisa que Lula nao conseguiu - ou nao quis - fazer nos seus primeiros 100 dias de governo.

A própria imprensa internacional, governos e empresas estao tratando do tema de maneira mais ou menos equilibrada e cuidadosa, o que por si só já dá a medida de que "era agora, ou nunca".

Tenho lido por aí que o mais correto seria negociar antes etc e tal. Para mim, o importante é a base sobre a qual se inicia qualquer negociacao. O governo de Evo Morales decidiu botar o pé na porta e negociar a partir de uma base muito superior à que tinha até agora. É uma decisao estratégica que ao meu ver merece respeito.

Afetou o Brasil? Sim, mas acho que no fim das contas vai se chegar a um acordo que garanta nao apenas a continuidade do abastecimento de gás, como lucros para a Petrobras (nao tao grandes como os que vinha tendo com o contrato que tinha antes).

Quanto aos opocionistas e setores da imprensa que pedem uma recao "dura" do Brasil, o que isto significa exatamente? Invadir a Bolivia? Fechar as fronteiras? Congelar investimentos? Gritar pedindo respeito a nossa dignidade nacional? A postura do gverno Lula me parece a mais inteligente e racional para o momento: vamos sentar, revisar os significados da nacionalizacao, negociar um novo contrato que seja o mais beneficioso possível para o brasil dentro do novo contexto de nacionalizacao e seguir adiante.

Um abracao,

Renato

maio 03, 2006 1:30 PM  
Blogger Rodrigo Cerqueira said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Olá Maurício,

vou entrar no debate mais para incendiário que para bombeiro. Concordo com o Ricardo que a postura brasileira é a melhor no momento, mas não posso deixar de pensar que o "momento" só é este que vemos porque o Brasil não se posicionou firmemente sobre a questão desde o início. O Itamaraty pode ter avaliado mal as verdadeiras intenções do presidente Morales mas o caso atual me parece apenas mais um episódio da pantomina em que se transformou a atuação internacional do Brasil na América do Sul. Lula apoiou Morales abertamente durante a campanha, mesmo diante de um discurso nitidamente contrário aos interesses da Petrobras e brasileiros. Depois de eleito Morales, o Planalto não se manifestou para mostrar a Morales que uma ação contra a Petrobras poderia ter alguma retaliação. Tudo na base da camaradagem. Ora, nem a União Soviética fazia política externa em bases ideológicas, companheiros. Agora, não dá para invadir a Bolívia. Há alguns meses, não teria sido necessário.

Além disso, vejo com cautela essa justificativa do Planalto de que a nacionalização é um direito da Bolívia e que o Brasil fez o mesmo. É claro que o Brasil tem que manter firme o discurso da posse das riquezas minerais, por princípio, pois ele ajuda a guardarmos as nossas. Mas o que Morales fez foi tomar ativos das empresas, cancelar contratos, apropriar-se de patrimônio que é fruto de anos de trabalho e bilhões em investimentos. Isso não é riqueza nacional. Novamente, silêncio em Brasília.

Por fim, erramos no planejamento. O parque industrtial brasileiro não pode depender de um país que tem o PIB de Duque de Caxias e teve mais presidentes nos últimos 50 anos do que o Flamengo teve técnicos.

Grande abraço

Rodrigo Cerqueira

maio 03, 2006 2:46 PM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Renato, Maurício, concordo que a reação de grande parte da imprensa, oposição, e empresas beira a histeria. No entanto, é compreensível que isso ocorra diante de um ato que, convenhamos, É radical e afeta negativamente a economia brasileira.

Eu prefiro aguardar com cautela o desenrolar dos acontecimentos. O tom do governo já afrouxou um pouquinho hoje, o do Evo também. Mas nada garante que as negociações resultem num avanço ou num consenso.

maio 03, 2006 5:04 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Car@s,

diante da riqueza dos comentários de vocês, vou precisar de outro post para responder. Contarei um pouquinho da história do envolvimento da atuação da Petrobras na Bolívia e dos elos entre política externa e economia.

Pessoalmente, minha posição é mais próxima a do Rodrigo. Interesses brasileiros foram prejudicados e duvido que Morales tivesse agido dessa maneira se o Itamaraty tivesse se posicionado de maneira mais dura.

O risco agora é que o governo brasileiro tome medidas estúpidas pela pressão da opinião pública. A última coisa que o Mercosul precisa atualmente é de uma guerra comercial/energética entre Brasil e Bolívia.

Abraços

maio 03, 2006 5:26 PM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Olá Mauricio,

estoiu esperando o seu novo post. Mas conhecendo o contexto boliviano, tenho certeza de que Evo teria feito a mesma coisa mesmo se o Itamaraty tivesse agido de maneira mais firme. O fato é que ele nao tinha alternativa e entre aguentar a enorme pressao dos movimentos sociais que lhe levaram ou poder e a firmeza do Brasil, te garanto que ele continuaria com os primeiros.

Enfim, vamos ver como fica tudo com a cúpula que se realiza amanhã em Puero Iguazú.

Um abraco,

Renato

maio 03, 2006 11:30 PM  
Blogger Glauco Paiva said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Ixi! Tem dinheiro do Reino Unido na parada, é? Ihhh.... Sei não, hein... Malvinas neles!

maio 04, 2006 9:55 AM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Salve, Glauco.

Que Tony Blair que nada! Estou curioso é para saber a reação da tua chefe. Aguardo a qualquer momento um press-release do Consulado dos EUA no Rio de Janeiro.

abraços

maio 05, 2006 9:49 AM  

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