sexta-feira, maio 19, 2006

Canções de Guerra, Quem Sabe Canções de Mar



Passei a semana em Petrópolis, num seminário de planejamento estratégico da ONG em que trabalho. O evento reuniu cerca de 100 pessoas de todos os continentes para discutir os rumos da instituição nos próximos três anos. Para além dos debates em plenário, o mais emocionante para mim foi a riqueza humana do convívio com ativistas políticos de várias partes do mundo.

É uma tradição nesse tipo de encontro que a música desempenhe um papel muito importante. Fizemos duas ótimas festas ao longo da semana, mas o momento mais especial foi ontem à noite. Era o fim do seminário e só restava um grupo pequeno, de latino-americanos, europeus e árabes. Nos reunimos junto à lareira para conversar, contar piadas e cantar.

Um colega chileno que é craque no violão destilou toda a beleza do cancioneiro hispano-americano, tocando preciosidades de Mercedes Sosa (perdi a conta de quantas vezes ele teve que bisar “Gracias a la Vida”), Pablo Milanés e Victor Jara, compositor que militou ao lado de vários dos presentes, até sua brutal tortura e assasinato no Estádio Nacional do Chile, nos primeiros dias da ditadura de Pinochet. Na foto, Jará canta para uma multidão.

Uma das minhas favoritas foi “Caminante no hay camino”, do catalão Joan Manuel Serrat com seu refrão belíssimo do poema de Antônio Machado, que sabia que “se hace camino al andar, golpe a golpe, verso a verso”. Também recitou Pablo Neruda, versos que escreveu em Macchu Pichu sobre a longa história de opressão e violência de nossa América.

Uma amiga uruguaia me falou de uma atração radiofônica que me deixou interessadíssimo: o programa Tímpano, de Daniel Viglietti. Ele é um dos mais importantes cantores daquele país e comanda uma apresentação semanal de canções políticas e sociais, discutindo música e as histórias das lutas de cada país. Viglietti também continua engajado, principalmente na investigação sobre os crimes da ditadura militar uruguaia. Minha amiga descreveu seu show mais recente, em frente a uma cova clandestina recentemente descoberta em Montevidéu, na qual foram encontrados os restos mortais de ativistas comunistas. De arrepiar.

Num determinado momento, alguém propôs uma canção radical francesa. “A Marselhesa”?, brincamos. Não, disse o amigo, e tocou “Je Ne Regrette Rien”. Belo brado para quem, como muito dos meus colegas, viveu por momentos de dor, sofrimento e perseguição. Eles ficaram surpresos com o fato de eu conhecer músicas antigas da esquerda, como o hino partigiani italiano “Bandiera Rossa”. Comentaram que meus pais devem ter um longo histórico de ativismo político.

Caí na risada. A vida dos meus pais sempre se limitou ao circuito trabalho-família. Ironias do destino, criaram um filho para quem esse horizonte foi desde muito cedo limitado e asfixiante. Talvez um dia eu escreva sobre isso uma canção de guerra, quem sabe uma canção de mar.

Por ora, brindo à liberdade de escolher minha própria vida, neste dia em que dei entrada no pedido da bolsa-sanduíche na Argentina.

5 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Brindemos, então.

Tim-tim!

maio 20, 2006 1:55 AM  
Blogger Rodrigo Cerqueira said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Maurício, não falo francês, mas essa música é a da abertura do acústico da Cássia Eller?

maio 20, 2006 1:17 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Marcus,

Saúde! Sempre!

Rodrigo,

essa mesmo. Ela toca na cena final de "Os Sonhadores", o filme de Bertolucci sobre maio de 68.

Abraços

maio 21, 2006 10:18 AM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Maurício,

Fiz um semestre da minha graduação em Buenos Aires. Não sei se é pra lá que você vai, mas te desejo muito boa sorte desde já.

[]'s

maio 21, 2006 12:58 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Olá, Diogo.

A bolsa que solicitei é para a Universidade Torcuato di Tella, em Buenos Aires.

Onde você estudou? Que curso?

Abraços

maio 21, 2006 6:08 PM  

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