sexta-feira, junho 16, 2006

Notícias de Uma Guerra Particular



Durante o evento no Exército, comprei “A Guerra do Iraque”, do respeitadíssimo historiador militar inglês John Keegan. Tinha visto o livro à venda no exterior, mas não sabia que havia saído em português. Keegan foi favorável à invasão do país de Saddam Hussein, principalmente para eliminar um risco à segurança do Oriente Médio. Embora essa posição prejudique sua análise política, principalmente no que diz respeito às divisões na União Européia, seu estilo continua soberbo.

Keegan começa com um panorama da história do Iraque nos últimos 50 anos, ressaltando que o país foi uma construção artificial dos britânicos, que reuniram três províncias do Império Otomano capturadas na Primeira Guerra Mundial, cada uma com sua predominância étnico-religiosa: curda, xiita, sunita. O historiador examina a ascensão do Partido Baath, nacionalista e secular, e mostra como Hussein subiu na hierarquia partidária, principalmente como capanga e pistoleiro.

Além da guerra atual no Iraque, Keegan narra de maneira sucinta os dois conflitos anteriores: o do Golfo (1990-1991) e o Irã-Iraque (1980-1988). Este último, sobretudo, está muito bem explicado, inclusive por que o ataque de Hussein à Revolução Islâmica tinha chances razoáveis de dar certo, devido aos expurgos que os aiatolás fizeram no Exército. No fim, nenhum dos países teve ganhos territoriais, mas as perdas humanas e materiais dos iranianos foram bem maiores.

O mais interessante, claro, é a análise do conflito atual. Keegan entrevistou oficiais e comandantes da guerra e revela que os americanos subornaram vários generais iraquianos para não lutar, o que ajuda a explicar os altíssimos índices de deserção – já tinha ouvido essa hipótese discutida no Exército brasileiro, ano passado, e sabia que a mesma estratégia fora utilizada no Afeganistão (como revelado por Bob Woordard no seu “Bush em Guerra”). Há análises detalhadas sobre o uso eficiente que os EUA fizeram de sua logística, do poder aéreo e boas descrições dos combates com os guerrilheiros muçulmanos que foram a principal força de resistência às tropas estrangeiras.

Keegan distingue o chamado “modo britânico de guerrear”, que tem menos recursos tecnológicos e materiais porém aposta mais no enfoque político, além de ter melhor conhecimento do Oriente Médio (décadas de ação na região) e experiência em contra-insurgência por causa da Irlanda do Norte. Ajuda a entender porque os britânicos conseguiram evitar escândalos como Abu Grahib, Faluja e Haditha.

O livro foi publicado em 2004 e é notável que Keegan tenha subestimado de modo tão grande os riscos da rebelião contra a ocupação anglo-americana no país, até porque ele narra a revolta de 1919 contra os britânicos com elegância e objetividade. Ele menciona apenas alguns erros das autoridades de ocupação, como desmantelar as forças armadas e a polícia, além de enfraquecer por demais o serviço público.

Os resultados da insurgência são os que vemos cotidianamente. Tivemos dois fatos importantes nos últimos dias:

1) A revelação do massacre de Haditha, no qual fuzileiros navais americanos mataram 24 civis inocentes, em represália a um ataque que sofreram no vilarejo onde as vítimas moravam. Não se via esse nível de selvageria desde o Vietnã. O caso só veio à tona graças a ação corajosa do estudante de jornalismo Taher Thabet, que filmou os resultados da chacina e os repassou a uma entidade de direitos humanos.

2) A morte do principal líder da Al-Qaeda no Iraque, Abu Musab al-Zarqawi, o maior sucesso para as forças americanas desde a prisão de Saddam Hussein. Receio que essa vitória tire o massacre das manchetes americanas.
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