Chávez Sem Uniforme
O título soa como uma música do Village People. Mas “Hugo Chávez Sem Uniforme”, dos jornalistas venezuelanos Cristina Marcano e Alberto Barrera é o melhor livro sobre a conturbada trajetória do presidente. Acaba de ser publicado em português pela Editora Gryphus.
É difícil ser objetivo com relação a Chávez, mas os autores chegam perto. Não louvam o comandante, nem o atacam em panfleto da oposição. O retrato é crítico: o biografado aparece como obcecado pelo poder, centralizador, pronto a demonizar quem discorde de suas opiniões. Mas também surge como líder carismático, grande comunicador e pessoa sinceramente preocupada com seu povo.
O livro é dividido em duas partes: a primeira e mais interessante conta a vida de Chávez desde a infância pobre em casa de chão de terra, na província de Barinas, até sua eleição como presidente. A segunda traça um panorama de seu governo.
Os fatos principais da juventude de Chávez são bem conhecidos dos especialistas. O gosto por esportes e leitura, a paixão pela história da Venezuela, com foco em Bolíviar e em Ezequiel Zamorra (líder camponês e rebelde, espécie de Zapata local). Marcano e Barrera iluminam o período mostrando como Chávez forma sua sensibilidade política convivendo com militantes da esquerda radical: seu irmão Adam, intelectuais e ex-guerrilheiros vinculados a dissidências do Partido Comunista.
Mas os anos de academia militar são marcados pela dedicação à profissão, na qual por muitas vezes será elogiado como modelo. Parte da primeira geração de oficiais treinados no Plano Andrés Bello, reforma curricular que introduziu humanidades e ciências sociais nas escolas das Forças Armadas, criando levas de tenentes com boa formação intelectual, vindos de famílias pobres ou remediadas, que contrastavam seu profissionalismo com a corrupta e decadente elite do país, tanto civil quanto militar. Situação explosiva, semelhante a do tenentismo no Brasil.
Lá como cá, deu em golpe. O livro tem descrições primorosas do crescimento da conspiração em meio à profunda crise da Venezuela dos anos 80, que culminou na revolta popular do Caracazo (1989), duramente reprimida. Estava aberto o caminho ao levante militar. Chávez desponta para a fama na fracassada intentona de 1992, com o famoso discurso na TV, obra-prima retórica, onde diz que a luta está encerrada “por enquanto” e afirma que assume a responsabilidade pelo ato. Expressão raríssima em nossa América.
Chávez vira o objeto de culto da população, desenvolvendo sentimentos messiânicos. Não faltam anedotas de seu novo status como sex symbol, que culminam na dissolução de seus dois casamentos e em inúmeros casos, reais ou imaginários. O misticismo, a obssessão com a morte por traição.
A segunda parte do livro, que aborda a presidência de Chávez não é tão boa. Os autores sofrem do principal vício dos repórteres políticos: concentram-se na disputa pelo poder, mas têm dificuldades em analisar políticas públicas. As intrigas, marchas e traições do presidente e seus aliados são bem narradas, mas o livro peca no exame das principais linhas de ação de Chávez: os programas sociais, a política externa, a criação da Telesur e a luta pelo controle da gigantesca estatal petroleira, PDVSA.
E vem ai o próximo capítulo: um estúdio de cinema. Será que em breve vamos ter a saga de Bolívar nas telas?
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