quarta-feira, junho 14, 2006

Comércio Internacional e DHs

Nos últimos dois dias participei de um excelente seminário na PUC-Rio, sobre “Comércio, Desenvolvimento e Direitos Humanos – articulações internacionais, perspectivas do sul e contexto brasileiro”. Foi um dos melhores eventos acadêmicos dos quais participei em muito tempo. A organização foi do Núcleo de Direitos Humanos daquela universidade, que reuniu cerca de 30 pessoas: pesquisadores brasileiros e estrangeiros, representantes do governo e de ONGs. A maioria era de advogados, mas também havia economistas, sociólogos e cientistas políticos.

Durante muito tempo comércio e DHs viveram em “isolamento esplêndido”, mas isso começou a mudar, na medida que muitos ativistas de direitos humanos têm exercido pressão crescente para que a OMC leve em conta problemas sociais em seus acordos e mecanismos de resolução de controvérsias. Houve conquistas importantes, como a Declaração de Doha sobre saúde pública (ligada a luta contra a AIDS e à fabricação de medicamentos genéricos) e decisões relevantes que incorporam preocupações sobre meio ambiente.

È necessário conhecer melhor os mecanismos da organização. Fiquei especialmente interessado na cláusula de “moralidade pública”, que impõe restrições a produtos que ferem os chamados bons costumes. Ela é usada principalmente para pornografia, mas pode servir de base, por exemplo, para proibir itens fabricados com trabalho escravo ou mão-de-obra infantil, uma vez que tais condições degradantes vão contra os valores sociais. Também gostei dos debates sobre “direito ao desenvolvimento” e até pedi a uma das palestrantes que me envie sua tese de doutorado recém-defendida, que foi sobre esse tema.

Contudo, há várias polêmicas. Diplomatas e outros negociadores do governo brasileiro ressaltam que os DHs podem ser usados na OMC como pretexto para encobrir interesses econômicos ou impor medidas restritivas e protecionistas. Isso é verdade, mas penso que o movimento contrário é mais forte e que os DHs podem ser importantes instrumentos de desenvolvimento para países como o Brasil, sobretudo no que toca aos direitos econômicos e sociais.

Fui um dos palestrantes do seminário. Junto com uma colega, falei sobre “Direitos Humanos e Desenvolvimento”. Analisamos uma série de resoluções da ONU, desde a Conferência de DHs de Teerã (1968) que trataram do tema. Em resumo, o desenvolvimento é considerado pelo sistema das Nações Unidas tanto como um direito quanto como um pré-requisito para o exercício dos DHs. Em seguida abordamos os economistas que ampliaram a noção de desenvolvimento, abandonando o enfoque centrado no crescimento do PIB e abordando-o como um processo de consolidação de qualidade de vida, participação política, segurança social etc. Gente boa, do quilate de Galbraith, Celso Furtado e Amartya Sen.

Depois desse resumo conceitual, analisamos a situação do Brasil, a partir de uma ampla pesquisa sobre participação social no governo Lula, que realizamos entre 2003 e 2005. Mostramos que na prática as autoridades brasileiras atuam com concepções de desenvolvimento retrógradas e cerceadoras de direitos, incluindo o da participação popular nas decisões políticas. Claro que a retórica é diferente, mas a distância com relação à prática é muito grande.

O convívio social durante o seminário foi excelente, com muitos jantares, almoços, bate papos e muita gente legal e interessante. Revi bons amigos e fiz novos. Ouvi ótimas histórias sobre as negociações internacionais do Brasil e conheci várias iniciativas acadêmicas relevantes, com as quais irei colaborar. A PUC vai organizar um livro a partir do seminário e contribuirei com um artigo baseado na palestra que apresentei.

3 Comentarios:

Blogger Jacqueline Sobral said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Vc sabe que nunca tinha pensado em Direitos Humanos até fazer a monografia!? Descobri que o tema é muito interessante! Beijos!

junho 16, 2006 1:55 AM  
Blogger Glauco Paiva said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Eu quero o meu direito humano de possuir uma Ferrari levado em conta pela OMC!!

junho 16, 2006 1:59 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Querida Jackie,

fui atraído para o tema metade pelo interesse de vocês, minhas orientandas, e metade pelas atividades do Ibase. Agora estou viciado nele.

Caro Glauco,

sugiro que você entre em contato com a delegação italiana na OMC. Um país onde se vende até xampu com a grife Ferrari certamente será bem mais simpático as suas demandas.

Abraços

junho 16, 2006 5:58 PM  

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