Cinema, Aspirinas e Urubus
Um alemão fugido da Segunda Guerra Mundial roda o sertão vendendo aspirinas, usando o cinema como recurso para chamar o público. Em suas andanças, dá carona a um homem que quer sair da região e tentar a sorte no Rio de Janeiro. Assim nasce uma amizade entre duas pessoas bastante diferentes e um filme brasileiro que consegue tratar da temática da seca de maneira original.
Desde o Cinema Novo os diretores brasileiros transformaram o sertão e a favela no centro de seus filmes. Denúncia da miséria e da violência, mas também às vezes uma visão idealizada, que enxerga nesses dois espaços um país mais "puro", não-contaminado pelos males da modernidade - há uma brilhante análise desse tipo de romantismo no livro "Em Busca do Povo Brasileiro - Artistas da Revolução, do CPC à Era da TV", do sociólogo Marcelo Ridenti.
"Cinema, Aspirinas e Urubus" tem um certo parentesco com "Baile Perfumado", porque inova no tratamento desse tema, mostrando o diálogo entre o moderno - a própria guerra, que acaba chegando ao sertão, o cinema, os hilariantes anúncios de aspirina (parece que à época ela era usada não só para combater dor de cabeça, mas como uma precursora do viagra e do prozac) - e a aspereza do clima e da pobreza, simbolizada pelos urubus. Ponto para o diretor Marcelo Gomes, que faz uma bela e promissora estréia em longa-metragem.
Vale destacar também o ótimo desempenho do ator João Miguel, que interpreta o retirante Ranulpho como um tipo amargurado e ressentido, de humor sarcástico, que despreza o próprio país e seu povo. Contraste com as músicas e cinejornais de tom ufanista do Estado Novo, que louvam as grandezas de um Brasil que só existe na propaganda oficial.
Outro lançamento brasileiro que conferi foi "O Fim e o Princípio", documentário de Eduardo Coutinho. Não gostei. Coutinho repete sua fórmula habitual: conversas com pessoas comuns numa comunidade marginalizada, desta vez um povoado no interior da Paraíba. São histórias de vida sofridas, de gente muito pobre, isolada.