terça-feira, fevereiro 27, 2007

Fim de Temporada

¿ Era nuestra mirada demasiado estrecha,
demasiado tendenciosa,
demasiado apresurada?

¿ Fueron nuestras conclusiones muy rígidas?

Puede ser.

Do filme "Diários de Motocicleta"

Acabou, ou quase. Hoje é meu último dia completo na Argentina, amanhä embarco para o Brasil. Contra a vontade, gostaria de permanecer aqui pelo menos até o fim do ano. Mas minha bolsa e minha licensa do trabalho terminam e é necessário voltar. A caixa de mensagens já está repleta de mensagens de alunos e colegas de emprego me solicitando tarefas. A única que recusei foi um pedido para preparar e apresentar um informe sobre comércio internacional em Genebra no início de março, atualmente o único aspecto do tema que me interessa é a compra dos meus souvenirs - duas malas repletas de livros, cds e dvds.

Estes meses que passei na Argentina mudaram bastante minha maneira de ver este país. Para resumir a ópera, relativizei os aspectos mais "europeus" da história argentina e ficaram mais claros os laços que unem este país à América Latina. Reuni excelentes informaçöes para minha tese e revi várias das hipóteses iniciais. Também levo material para trabalhar em ensaios sobre memória e trauma com relaçäo à guerra das Malvinas e à ditadura militar de 1976-1983. Quero entender melhor esse período.

Embora eu viaje muito, esta foi a primeira vez que passei mais de um mës longe do Brasil e adorei a experiëncia, bem mais do que havia imaginado. Em parte é por eu estar bastante insatisfeito com várias coisas no país, em boa medida também é pela excitaçäo das aventuras e das descobertas, bem como a fantástica qualidade de vida que desfrutei em Buenos Aires. Curiosamente, a maioria dos brasileiros que conheci por aqui morrem de saudades do Brasil e acham que tudo é melhor por lá. Questäo de gosto. Como me disse uma amiga argentina, "Vos sos un tipo raro, un brasileño sin saudade."

Levo a certeza de que quero repetir esta experiëncia e viver outras temporadas no exterior. Como professsor-visitante, como pesquisador ou jornalista, sei lá. É bom para abrir os horizontes e arejar a cabeça.

domingo, fevereiro 25, 2007

Acertando as Contas

- Entäo vocë vai nos deixar, Maurício?
- Pois é. Volto ao Brasil na quarta-feira. Gostaria de fechar minha conta no Banco do Brasil da Argentina e usar o que sobrou nela para comprar dólares.
- Por que näo pesos?
- Os dólares säo para poupar. Meu passaporte para voltar aqui no próximo ano.
- Claro, boa idéia. Aliás, qual foi a razäo pela qual vocë esteve aqui?
- Para estudar ciëncia política.

Neste momento, os outros clientes na fila se juntam à conversa:

- Mas com os políticos que temos aqui? ¡ Estás loco, chico!
- Acredite, os do Brasil näo säo melhores.

Saquei meu dinheiro e me despedi do pessoal do Banco. Era a última providëncia burocrática importante para tomar antes da viagem, estes últimos dias säo para visitar os amigos e passar na universidade pela última vez, para dizer adeus a minha orientadora e aos funcionários.

O Banco do Brasil é um capítulo à parte nesta aventura argentina. Ele está sempre cheio de brasileiros que väo para lá achando que estäo numa agëncia do centro do Rio de Janeiro ou Säo Paulo, e que podem movimentar suas contas facilmente. Näo é assim. Trata-se na verdade de um banco dedicado ao comércio exterior, sem infra-estrutura para atender às hordas de turistas que lá aportam e as senhoras histéricas que querem pagar a última parcela do IPTU em 15 minutos. O comportamento dos meus compatriotas é täo vergonhoso que em geral prefiro ficar calado num canto, escondendo a cara atrás de um jornal portenho e fingindo que nada a tenho a ver com aquele povo que faria os hunos e visigodos parecerem modelos de civilidade.

Tive que abrir uma conta no exterior para receber a bolsa da CAPES e a burocracia foi täo grande que quase tive pena daqueles corruptos que depöem nas CPIs por causa de contas offshore nos paraísos fiscais. Bem, mas estou certo que eles entendem do assunto bem mais do que eu. Ainda assim, tudo funcionou, embora eu näo vá ter saudades da papelada bancária. Como explico esses milhares de dólares numa conta em Buenos Aires, senhor senador? Olhe, tudo começou com uma tese de doutorado...

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Patagönia



A Argentina näo pára de me surpreender. Depois de Mendoza, achava que näo iria encontrar nada mais bonito neste país, mas aí vim passar a semana na Patagönia e simplesmente me apaixonei por esta regiäo, que é sem dúvida uma das mais lindas do planeta.

A única que conheço que se compara a ela säo os vales alpinos da Itália, mas aqui há um contraste ainda mais impressionante entre lagos, montanhas, bosques e a estepe árida. Além disso, a populaçäo é muito mais amável e gentil, e os preços säo muito baixos. Todas as excursöes que fiz por aqui, somadas, me custaram menos de R$150. E isso incluiu percursos de centenas de quilömetros, subidas aos Andes, passeios por lagos e vilas montanhosas etc. Estou até cansado, porque em geral minha programaçäo durava cerca de 12, 13 horas por dia.

Minha base foi Bariloche e fiz os circuitos tradicionais ao redor da cidade, passeando pelo lago Nahuel Huapi e pelo cerro Catedral - onde pela primeira vez na vida brinquei na neve, pois havia nevado em pleno veräo! Bariloche é muito charmosa e simpática e gostei bastante de passear pela rua Mitre, o centro comercial, e me fartar nas lojas que fazem desta cidade a "capital do chocolate da Argentina".

Também fiz o circuito dos Sete Lagos e Trës Parques, pegando a estrada e conhecendo as cidades de Villa la Angostura e San Martin de los Andes. Ainda assim, vi apenas uma pequena parte do que está disponível na regiäo. Com certeza quero voltar e explorar o extremo sul da Patagönia, para conhecer as geleiras e os parques naturais, de Santa Cruz à Terra do Fogo.

A regiäo passa por uma grande expansäo do turismo, que aumentou muito após a desvalorizaçäo do peso em 2002. É fantástico ver o potencial desse tipo de serviço e a infra-estrutura disponível é muito boa. Mas insisto que o melhor é a incrível gentileza das pessoas, que a todo tempo nos agradecem por visitar sua linda Patagönia e nos tratam com uma delicadeza vai muito além da cordialidade profissional.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Cartas de Iwo Jima


Clint Eastwood há muito entrou para meu clube de cineastas favoritos, aqueles de quem vejo todos os filmes. "Cartas de Iwo Jima" consegue a proeza de ser ainda melhor do que "A Conquista da Honra", mas minha sugestäo é que vocë assista aos dois com poucos dias de diferença, porque ambos se complementam de maneira esplëndida para retratar uma das batalhas mais sangrentas da Segunda Guerra Mundial.

Em "Conquista da Honra" Eastwood contava a história dos soldados americanos que posaram para a famosa foto que simbolizou a batalha por Iwo Jima, e refletia sobre a construçäo política dos heróis. Em "Cartas" temos o ponto de vista japonës daquele sangrento confronto, narrado sobretudo da perspectiva de dois personagens, interpretados por excelentes atores: o general Kuribayashi (Ken Watanabe) e o recruta Saigo (Kazunari Ninomiya).

Kuribayashi recebe a missäo impossível de defender a ilha, isolada após a destruiçäo da frota japonesa na batalha das Marianas. Ele assume a tarefa com zelo e dedicaçäo - os americanos precisaram de 40 dias para derrotá-lo, em vez dos trës que planejavam - mas enfrenta a desconfiança de seus subordinados, que questionam suas táticas de recuo.

Saigo é o anti-herói, um padeiro que está no Exército contra sua vontade e só pensa em se safar para retornar para sua mulher e filha recém-nascida. Melhor dizendo, seu estilo pé-no-chäo é o contraponto para a ética de honra guerreira dos japoneses.

"Conquista" e "Cartas" tëm cenas em comum, na realidade o segundo filme explica várias situaçöes esboçadas ou mostradas de relance no primeiro. Juntos, os dois formam um painel excecpcional da guerra, numa visäo humanista que reconhece as qualidades em ambos os inimigos. Os filmes tëm recebidos prëmios importantes, mas näo foram bem na bilheteria. Compreensäo e toleräncia nunca foram campeöes de popularidade, muito menos nos dias atuais.

sábado, fevereiro 17, 2007

Diário Mendoncino

Recepçäo do albergue:

-Ah, logo vi que vocë é cientista político. Só falta a boina do Che Guevara. Tenho outros amigos assim, vocës säo todos iguais.

- Obrigado.

(Tomei como elogio, mas a bem da verdade o tom dava margem a muitas dúvidas)

***

Sala de estar do albergue:

- Porque existem pessoas boas e más em todos os países...
- Sim, é claro.
- ... com exceçäo do Chile e da Inglaterra. Deixe eu te contar o que deveria ser feito para resolver o problema deles.

(Seguiu discurso de vários minutos, envolvendo expressöes como "bombas atömicas", "dinamite" e "concreto").

***

Restaurante na rua Sarmiento:

- Oi, que língua vocës falam? - quis saber a garotinha
- Portuguës, nós somos do Brasil.
- Ah, eu achei que era inglës, que estudo no colégio, mas parecia um inglës muito ruim.
- De repente vocë vai estudar portuguës mais tarde, na escola secundária.
- Quantos anos vocë tem? - quis saber o irmäo.
- Vinte e oito... ei, parceiro, näo adianta fazer essa cara. Parece impossível, mas um dia vocë também vai ter 28.
- Eu tenho oito.
- Sete - corrigiu a irmä

***

Grafite num banheiro de bar na estrada que liga Mendoza a Santiago do Chile:


"Os chilenos säo [******]". Absolutamente impublicável.

***

- Para que diabos a gente precisa dessa fita laranja no pulso?
- O cara do albergue disse que é por razöes de segurança.
- Mas näo vejo ninguém mais usando. Me sinto uma criança retardada com isso, como se alguém fosse me encontrar na rua e ligar para o telefone da pulseira, para me devolver a meus pais.

***

Guia na cordilheira dos Andes:

- Naquela montanha o exército argentino entrou para o livro dos recordes ao dar o mais alto tiro de artilharia do mundo. Ninguèm sabe onde caiu o disparo, mas eles atiraram naquela direçäo (aponta para o Chile).

***

- Acho que estou ficando velho para me hospedar em albergues. Todo esse barulho, axé music em espanhol...
- Sei o que vocë quer dizer. Tem muito maconheiro por aqui e todos estäo de olho nas minhas bermudas. É melhor a gente se mudar para um hostal que tenha armários com trancas.

***

- Fazemos um revezamento. Um ano vamos ao sul, e no outro escolhemos outro lugar na Argentina.
- É um país lindo, há vários lugares que quero conhecer.
- Quando vocë volta?
- Talvez em 2008. Quero ir a Salta, Jujuy, e pegar o Trem das Nuvens para a Bolívia.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Mendoza

Escrevo de Mendoza, belíssima cidade argentina próxima à fronteira com o Chile, onde passo a semana com alguns amigos. A regiäo é famosa pelos bons vinhos, em especial a uva Malbec, clássica deste país. E além destas qualidades, Mendoza também conquistou a todos nós pelo seu caráter aberto e pelas deslumbrantes paisagens naturais.

A cidade é o ponto de partida de quem quer fazer excursöes pela vizinha cordilheira dos Andes e portanto atrai todo o tipo de mochileiro, desde os interessados em caminhadas até os que buscam as emoçöes do rafting ou mesmo os alpinistas que sonham em desafiar o Aconcágua, o ponto mais alto das Américas.

Fizemos um passeio maravilhoso pelas cordilheiras, onde cada parada revelava uma beleza ainda maior do que a anterior, tudo isso enriquecido pelo incrível bom humor do guia e dos demais colegas de excursäo - éramos os únicos brasileiros num grupo de argentinos, mas isso cada vez parece fazer menos diferença para mim.

O ponto alto - literalmente - foi a visita ao monumento à paz na fronteira entre Argentina e Chile, a 4.000 metros de altitude. O corpo pira täo alto: vento, frio, dor de ouvidos e uma certa tontura. Mas a vista é de uma beleza täo radical e absoluta que vale qualquer sacrifìcio. Também adoramos a visäo do Aconcágua, nos sentimos diante de um rei.

Nosso único problema foi hospedagem. Ficamos inicialmente num hostal com mais ou menos o mesmo conforto de um bunker vietcong, embora os guerrilheiros provavelmente tivessem um melhor sistema de refrigeraçäo - apesar da proximidade da cordilheira, Mendoza é bastante quente. Mas agora estamos num albergue bem mais simpático, numa ruma repleta de bares e restaurantes.

Volto amanhä para Buenos Aires. Meus amigos seguem viagem para o Chile - país que näo tenho muita vontade de rever - mas nosso plano é nos reencontrar em breve em Bariloche, estou acertando os últimos detalhes para reservar hospedagem e passagem na cidade, porque estamos preocupados em näo conseguir vagas por causa da alta temporada.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Diamante de Sangue

Sou fanático pela África e aproveito todas as oportunidades para assistir a filmes ambientados no continente. Porém a maioria dessas producöes säo feitas por americanos ou europeus e me incomoda bastante o olhar que eles lancam sobre os africanos, que quase invariavelmente säo apresentados como selvagens bárbaros, presos a ciclos de violëncia irracional, e cuja única esperanca de salvacäo passa pela intervencao de alguma boa alma branca e/ou ocidental que irá ajudá-los a escapar de sua prisao infernal.

"Diamante de Sangue" repete todos esses cliches, embora conte uma história de suspense e acäo muito bem narrada. O foco da trama é a descoberta de um diamante gigantesco por um pescador de Serra Leoa, que quer utiliza-lo para reencontrar sua família, separada pela guerra civil. Para cumprir esse objetivo ele contará com o apoio de uma idealista jornalista americana e com o auxilio ambiguo de um contrabandista e mercenario do Zimbabwe.

O filme se pretende uma denuncia contra a ganancia das grandes empresas de mineracao, na linha do que "O Jardineiro Fiel" fez pelas tramoias da industria farmaceutica. Mas enquanto a obra de John Le Carré tinha uma construcäo mais interessante, em "Diamante de Sangue" os africanos malvados parecem saídos de alguma matinë dos anos 40, comportando-se como versöes pós-modernas de Átila, o Huno.

Contudo, apesar da minha discordäncia com a visäo social do filme, ele é muito bem-sucedido ao retratar os novos atores da política internacional, mostrando como a pressäo da imprensa e da opiniäo pública pode alterar os parämetros das disputas. No caso, o filme mostra a criacäo do Processo Kimberley, que procura estabelecer embargo a diamantes extraídos em zonas de conflito.

Minha curiosidade agora é para a estréia de "O Último Rei da Escócia", sobre Idi Amin, que entra em cartaz em breve. Mas parece preso a mesma fórmula da bárbarie africana redimida pelo ocidental bonzinho que denuncia ao mundo suas mazelas.Minha decepcäo com essa abordagem primária é ainda maior pelo fato de que há excelentes romances na literatura africana prontos para virarem grandes filmes. As obras dos angolanos José Eduardo Agualusa, Pepetela, do mocambicano Mia Couto e da sul-africana Nadine Gordimer, entre outros, mostram uma Africa bem mais interessante. Moderna, contraditoria, esperancosa ou triste, mas sempre em movimento. Por que nao leva-la para as telas do cinema?

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

O Vöo da Rainha

Nesta semana a primeira dama da Argentina, senadora Cristina Fernández de Kirchner, esteve em viagem oficial na França. O contexto do tour é a possível candidatura de Cristina à presidëncia. Circulam todos os tipos de rumores e imprecisöes: dizem que Nestor Kirchner está muito doente e näo poderá concorrer, insinuam que apenas está experimentando a popularidade de Cristina, ou que está se poupando para só anunciar sua própria candidatura na última hora. A ver. O fato é que a Casa Rosada apostou bastante na viagem da primeira dama e está tratando sua excursäo européia como prioridade.

Fiquei pensando no paralelo com o chamado "Tour do Arco-Íris", que Evita Perón fez à Europa no início dos anos 50. Claro que o contexto era bem diferente: num continente ainda destroçado pela guerra e meio faminto, a entäo próspera Argentina era um ator de peso e a viagem foi um triunfo para Evita. Um diplomata espanhol chegou a afirmar que "A Espanha näo teve Plano Marshall, mas näo precisou porque contava com a Argentina". No musical de Andrew Llyod Webber a viagem é narrada numa das melhores cançöes, Rainbow High:

Eyes, hair, mouth, figure
Dress, voice, style, movement
Hands, magic, rings, glamour
Face, diamonds, excitement, image

I came from the people, they need to adore me
So Christian Dior me from my head to my toes
I need to be dazzling, I want to be Rainbow High
They must have excitement, and so must I


Cristina K é uma mulher de personalidade forte e fez um bom discurso em Paris, assinando um tratado internacional de direitos humanos, patrocinado por França e Argentina. Comparou o terrorismo de Estado durante a ditadura ao Holocausto - a comunidade judaica argentina näo gostou, mas seu mal estar se limitou aos comentários em off nos jornais . Cristina também aproveitou para celebrar com a seleçäo argentina de futebol, que jogou e venceu na França.

Em todos os gestos, a primeira dama se esforçou para mostrar que pode ser täo dura quanto qualquer homem. Estilo que está mais para Hilary Clinton e Margareth Thatcher do que para Michele Bachelet ou Segouleme Royal. Ou Evita.

I'm their product, it's vital you sell me
So Machiavell me, make an Argentine Rose
I need to be thrilling, I want to be Rainbow High
They need their escape, and so do I

Enquanto Cristina debutava em Paris, o front doméstico pega fogo. O governo demitiu a chefe do INDEC, o instuto estatístico responsável, entre outras coisas, pelo vital cálculo da inflaçäo. Os funcionários protestaram e a reaçäo do secretário de comércio foi terrível, chamando-os de mafiosos. Todos acusam o governo de manipular os índices oficiais de inflaçäo, que foram 9,6% em 2006. Mas produtos e serviços vitais como frango, frutas e planos de saúde tiveram aumentos bem maiores, acima de 20%.

Contudo, a oposiçäo aos Kirchner é täo fragmentada entre Roberto Lavagna, Elisa Carrió e Maurício Macri que é difícil imaginar outro resultado que näo a vitória de Nestor ou Cristina. A ironia é que ainda näo conheci nenhum peronista. Nos círculos acadëmicos e de classe média alta que freqüento, o peronismo é sempre visto com desconfiança, seja por aqueles que se inclinam ao liberalismo, seja pelos que estäo mais à esquerda e consideram os seguidores do general Perón como demagogos e populistas.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Leopardo ao Sol

Nos últimos dias estive mergulhado em livros sobre a Colömbia. Recolho informaçöes para incluir um módulo sobre a guerra civil colombiana num curso a respeito de conflitos e negociaçöes de paz que darei na universidade em 2007. Para além das obras académicas sobre o tema, encontrei fontes muito interessantes na literatura.

A violëncia se entranhou na Colömbia de maneira täo intensa que alterou até as artes do país, dando origem a um gënero literário conhecido como novela sicaresca, centrada nas aventuras e tragédias dos criminosos. O mais conhecido é o romance "A Virgem dos Sicários", cuja adaptaçäo ao cinema já comentei por aqui. Outra pérola que descobri nas livrarias portenhas é "Leopardo al Sol", da escritora colombiana Laura Restrepo. Trata-se da história de uma guerra de duas famílias, tendo como pano de fundo o crime organizado naquele país.

Quando o romance começa, as duas famílias se enfrentam há mais de 20 anos. Uma rixa que começou por um crime passional e virou uma epopéia sangrenta, com dezenas de mortes em ambos os lados. Ao mesmo tempo, os cläs rivais se enriquecem, passando de pobres agricultores a contrabandistas e traficantes de drogas.

Mas a guerra entre as duas famílias näo é totalmente selvagem, é regida por um código de honra que estabelece limites e restriçöes - por exemplo, näo se pode matar as mulheres. O frágil equilíbrio é posto a prova pelas mudanças na sociedade colombiana. O líder de uma das famílias aspira a ser reconhecido e aceito pela alta sociedade, para garantir o amor de sua bela esposa, e por isso quer legalizar os negócios. E seus irmäos pressionam pela quebra dos padróes tradicionais, com a contrataçäo de assassinos de aluguel e a entrada no perigoso negócio da cocaína, que fará a rixa familiar parecer a pré-história da violëncia na Colömbia.

Laura Restrepo é uma escritora brilhante e talentosa, e sua saga familiar está entre as melhores do gënero, usando técnicas narrativas muito boas, como um verdadeiro coro de vizinhos que espalha boatos e tenta saber a verdade sobre a guerra entre os cläs. Há seqüëncias espetaculares, com o clímax do romance, um banho de sangue no aeroporto, e um importante assassinato em pleno carnaval. Cinematográfico, näo? Sim, e na verdade foi assim que cheguei ao livro - o cineasta argentino Israel Caetano anunciou que irá filmá-lo. Aliás, Restrepo é best seller na Argentina, seu romance mais recente, La Novia Oscura, está entre os mais vendidos no país.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Avenida Corrientes

Um dos meus lugares favoritos em Buenos Aires é a Avenida Corrientes, em especial os quarteiröes ente o Obelisco e a Avenida Callao, que concentram uma enorme quantidade de teatros, livrarias e centros culturais. No sábado à noite fui assistir a uma peça por lá, com uma amiga argentina, e praticamente podiamos respirar arte ao longo daquelas quadras.

Queríamos assistir à "Morte do Caixeiro Viajante", mas os ingressos já estavam esgotados. Minha amiga sugeriu uma comédia argentina, "¿Estás ahí?", que terminou sendo um ótimo programa. É uma história que brinca com fantasmas para falar dos problemas de comunicaçäo entre casais, ganhou vários prëmios e é muito divertida.

Na saída, a avenida fica congestionada com o fluxo das pessoas que saem dos diversos espetáculos em cartaz, do público de classe média alta que busca os clássicos até a platéia mais popular das peças do teatro de revista, uma tradiçäo que continua forte na Argentina. Imagino que a Cineländia ou a Praça Tiradentes do Rio de Janeiro dos anos 40 e 50 devia se parecer um tanto com a Corrientes de hoje.

As livrarias locais também säo um show à parte. Buenos Aires é famosa pela quantidade de livrarias, mas hoje a maior parte delas pertence a grandes cadeias comerciais como Cúspide, Distal e El Ateneo. Contudo, na Corrientes ainda é possível encontrar um pouco da figura do velho livreiro e da livraria especializada, como aquelas dedicadas ao teatro ou às ciëncias sociais. Há muitas com um ambiente muito agradável, música ao fundo - em geral jazz ou bossa nova - e discussöes animadas.

Numa delas dois amigos discutiam e um citava Tom Jobim, "Tristeza näo tem fim, felicidade sim". Näo pude conter o riso, só mesmo a melancolia portenha para pescar um dos versos mais tristes do maestro. Coitados, eles näo fazem idéia do quanto säo felizes, e da cidade espetacular que possuem.

Ah, sim. Se vocë é tanguero deve estar se lembrando da letra do tango "A Media Luz", que cita a Avenida Corrientes:

Corrientes tres cuatro ocho,
segundo piso, ascensor;
no hay porteros ni vecinos
adentro, cocktel y amor.


Isto vem da época em que a avenida era a fronteira onde se podia escutar e dançar tango, depois dela vinha a zona "decente" da cidade, na qual o ritmo nascido nos bordéis portenhos näo era tolerado. Claro que hoje o tango é um símbolo nacional (ao lado do doce de leite, dizia Jorge Luís Borges), mas o endereço citado na cançäo virou um estacionamento. Contudo, a julgar pelos panfletos que se distribuem na Corrientes, ainda há nela muitos estabelecimentos como aquele descrito pelo compositor.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

O Sonho da Pátria Grande

Anotaçöes para o curso que planejo dar na pós-graduaçäo em Relaçöes Internacionais, quando voltar ao Brasil.

Objetivo - Discutir os projetos de integraçäo e cooperaçäo na América Latina, de Bolívar ao Mercosul e à Comunidade Sul-Americana de Naçöes.

Bibliografia - Aproveitar os livros que comprei em Buenos Aires, como a biografia de Bolívar, El Sueño de la Patria Grande, de Gregorio Recondo, El Pensamiento Latinoamericano en el Siglo XX, de Eduardo Devés etc.

Identidade e Cultura - Destacar a importäncia fundamental dos temas culturais e da identidade. A dificuldade brasileira em se ver como parte da "América Latina". Surgimento e desenvolvimento desse conceito. O papel dos escritores e poetas. Que livros poderei usar? Tenho que pensar a respeito. Talvez exibir filmes ou utilizar música.

Buscar mais bibliografia sobre México, América Central e Reforma Universitária. Lembrar de abordar o papel dos partidos democratas-cristäos. E a Igreja de hoje, como tratar dela

A Revoluçäo Cubana - incluir tópico sobre como a questäo de Cuba foi importante para o pensamento latino-americano nos anos 60. Talvez seja o ponto ideal para utilizar a arte para discutir a integraçäo.

Usos de Bolivar. Ler a Carta da Jamaica. Discutir porque tantos grupos, de esquerda e direita, continuam a ter o Libertador como referëncia. Debater os usos e abusos de sua figura histórica.

Seria interessante falar da "integraçäo armada" promovida pelas guerrilhas e pela Operaçäo Condor? É um enfoque bastante fora do comum, mas pode resultar em debates oportunos.
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