terça-feira, janeiro 23, 2007

Um Peronismo Contra-Ataca

As ruas de Buenos Aires apareceram cobertas por cartazes com a mensagem "Näo fodam com Perón". Sutileza nunca foi a característica mais marcante da política argentina e o que está em jogo é uma disputa entre diversas facçöes do peronismo. Setores sindicais mais tradicionais rejeitam o processo contra a ex-presidente Isabel Perón, porque acreditam que a sujeira irá respingar a memória do general.

Há boas razöes para pensar assim, porque Perón já andava flertando com a extrema-direita bem antes de assumir o governo em 1973. Aliás, nos anos 60 Che Guevara tinha alertado os revolucionários que sonhavam com uma aliança com o peronismo que na hora da verdade a elite argentina aceitaria Perón como mal menor diante do marxismo. Profetizou o que aconteceu dez anos depois.

Os jovens esquerdistas de grupos como Juventude Peronista, Tendëncia Revolucionária e Montoneros entraram em conflitos violentos com Perón e os sindicatos. Estes, mais pragmáticos, negociavam até com os militares. A gota d´água foi quando a esquerda armada assassinou o secretário-geral da poderosa central sindical CGT. O rompimento com Perón foi dramático, em pleno comício. Está em curso uma polëmica um tanto surreal para determinar se o general expulsou os jovens da praça ou se eles saíram antes, por vontade própria.

O fato é que agora muitos daqueles jovens estäo no poder, o próprio Kirchner foi da Juventude Peronista. E estäo cobrando as contas que tëm para ajustar com o passado sangrento de seu próprio movimento. O atual secretário da CGT já veio a público condenar o "entorno presidencial" pelo caso Isabel, embora tomando cuidado de eximir Kirchner. A batalha já tem mais de 30 anos, e continua.

Uma amiga argentina me explicou outro detalhe fundamental: neste país a maioria dos juízes säo nomeados por políticos e até sua estabilidade no cargo é sujeita a fortes pressöes. De modo que nenhum magistrado inicia um processo do porte contra Isabel se näo tiver respaldo sólido de alguma autoridade.

Me parece que a maior parte da esquerda apóia a investigaçäo, mas também há grupos preocupados em que a änsia de punir os culpados por violaçöes aos direitos humanos se estenda aos guerrilheiros dos Montoneros e do ERP, que também cometeram muitos dos crimes praticados por seus inimigos da direita.

2 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Amplios seitores da juventude dos '70 na Argentina militava na esquerda. A maioria deles apoiavam issa uni~ao entre socialismo e peronismo. Tal vez, uma metáfora sobre a qual discutiam alumnos desaparecidos na ditadura do meu secundário (Nacional de San Isidro) e um professor relatada num documental seja clara. Os garotos estivam em Retiro (centro de Bs.As., representaç~ao do capitalismo) e queriam ir a Tigre (no conurbano, representaç~ao do socialismo). Para isso, tomavam o trem Perón, que lhes deixava em Martínez (mitade do camino) e, ao chegar, baixabam e decidiam qué fazer. O professor lhes dizia "N~ao compreendem! O trem Perón va a outro lugar!".
Abraços desde Buenos Aires!

janeiro 26, 2007 9:59 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Caro Patrício,

também eu embarquei no trem Retiro-Tigre, mas no sentido real, näo metafórico... Gostei da imagem.

Estou tentando entender os conflitos internos do peronismo e me impressiona a paixäo com a qual vocës, argentinos, discutem os eventos que ocorreram há 30 anos.

Me parece claro também que os jovens dos anos 70 inventaram ou idealizaram um Perón que lhes era conveniente, mas que era muito diferente daquele que existiu na vida real, com todas as conseqüëncias trágicas disso...

Espero que possamos tomar nosso café por esta semana.

Abraços

janeiro 27, 2007 6:29 PM  

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