Terrorismo Político: de volta à Argentina?
Jornalista näo tira férias: trabalha como correspondente internacional. Tenho aproveitado a temporada na Argentina para enviar textos para o Ibase, a ONG onde trabalho como pesquisador. Os primeiros trataram de temas que já abordei neste blog, mas reproduzo abaixo um artigo sobre um assunto do qual ainda näo tinha falado por aqui.
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Terrorismo político: de volta à Argentina?
Maurício Santoro*
O seqüestro de dois operários que testemunharam contra torturadores da ditadura de 1976-1983 trouxe de volta à Argentina o medo do terrorismo político, ao mesmo tempo em que o país luta para ajustar as contas com a impunidade que marcou seu passado.
A violência por razões políticas esteve muito presente nas décadas de 1960 e 1970. Grupos guerrilheiros como Montoneros e ERP mataram cerca de 700 pessoas no período. O medo de tais ações foi o pretexto da tomada do poder pelos militares em 1976. Mas o terror implementado pelo Estado foi muito pior e assassinou aproximadamente 30 mil pessoas, com um sistema de mais de 600 campos clandestinos de tortura que só tem paralelo em regimes totalitários como a Alemanha nazista.
A democracia, restabelecida em 1983, condenou à prisão líderes do regime militar, como o general Jorge Videla e o almirante Emílio Massera. Contudo, entre 1987 e 1990, houve quatro rebeliões armadas de oficiais do Exército, os chamados "carapintadas", que apavoraram o recém-estabelecido regime democrático.
Apesar do repúdio popular, o presidente Alfonsín promulgou as leis "Obediência devida" e "Ponto final", que dificultaram em muito a abertura de processos contra violações de direitos humanos durante a ditadura. O presidente Menem prosseguiu com a política de apaziguamento e indultou os líderes do regime militar.
Apesar das decisões presidenciais, as pressões da sociedade impediram a continuação da impunidade. Ativistas de direitos humanos seguiram com ações judiciais contra a ditadura, em particular pelo crime do roubo de bebês de homens e mulheres presos pela repressão. Como as crianças não foram devolvidas as suas famílias, a Justiça entendeu que o crime continuava a ocorrer, portanto não havia sido prescrito pelas leis de anistia. Também foram importantes os processos movidos por Espanha, Itália, França, Suíça e Suécia, que questionavam o que ocorreu com pessoas de seus países desaparecidas no turbilhão político argentino.
O governo Kirchner deu novo vigor aos processos em defesa dos direitos humanos, iniciando uma onda que se estendeu ao Chile e ao Uruguai. Foi nesse contexto que os operários Julio Lopez e Luis Gerez testemunharam contra os ex-policiais Miguel Etchecolatz e Luis Patti, acusados de torturas, estupros e assassinatos durante a ditadura. Lopez foi seqüestrado em outubro de 2006 e continua desaparecido. Gerez desapareceu em dezembro de 2006, mas foi libertado poucos dias depois [na foto, protestos exigindo sua libertaçäo]. Ele denuncia que foi agredido no cativeiro, queimado com cigarros e submetido a simulacros de fuzilamento.
Os dois seqüestros comoveram a Argentina e disseminaram o medo de que os antigos fantasmas do terrorismo político estejam de volta. Ninguém foi preso pelo desaparecimento de Lopez e de Gerez e outras testemunhas contrárias a acusados de torturas estão apavoradas e solicitando proteção policial especial.
Além disso, os ânimos também estão exaltados pelo processo que o governo da Espanha move contra a Alianza Anticomunista Argentina, conhecida como Triple A. Tratava-se de um grupo terrorista de extrema-direita que atuou na década de 1970, com forte respaldo nas Forças Armadas, na polícia e nos setores mais conservadores do peronismo. Seu principal articulador foi José Lopez Rega, homem de confiança da ex-presidenta Isabel Péron. A própria Isabel, que vive em Madri, poderá ser convocada a depor e o círculo que foi próximo a ela teme as revelações que eventualmente faria.
Os regimes militares da Argentina, do Brasil, do Chile e do Uruguai atuaram em conjunto na perseguição a seus opositores políticos, por meio da Operação Condor. Por conta disso, as repercussões dos casos argentinos certamente ultrapassaram as fronteiras do país e abrem a possibilidade de julgamentos semelhantes em todo o Cone Sul.
*Jornalista, pesquisador do Ibase.
Publicado em 19/1/2007.
2 Comentarios:
O artigo é muito objetivo e claro. É uma sintese bem compacta e aséptica da problemática dos direitos humanos na Argentina. Está bem que seja assim, já que os leitores v~ao ser pess~oas que n~ao conheçem em detalhe a história argentina. De todos modos, veo que seus últimos artigos no blog também s~ao assim. Gostaria um pouco mais de comentários ácidos sobre a sociedade e política argentina, como ao princípio, assim posso ter uma mirada que n~ao d~ao os diários.
Saludos argentinos!
Comentário ácidos sobre a Argentina? Vai ser difícil, meu amigo, adoro isto aqui! Populaçäo politizada, culta, emotiva. Se bobear, näo volto aos trópicos!
Abrazos
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