O Herói de Mil Faces
"Estava lendo uma biografia de Bolívar e é impressionante como sua história mostra todas as dificuldades enfrentadas pela integracao da América do Sul", me dizia um amigo argentino da universidade. A partir do papo, comprei uma biografia do Libertador, de autoria do historiador americano David Bushnell. O livro é realmente excelente e na linha da observaçäo de meu colega, parece as manchetes dos jornais de hoje.
Bolívar é um herói de mil faces e sua imagem foi apropriada ou rejeitada por praticamente todos os grupos políticos do continente. Dependendo do autor ele pode ser visto como um caudilho autoritário, um precursor das lutas sociais do século XX, um defensor da Igreja e das tradiçöes diante do liberalismo secular. Em parte isso se deve às mudanças algo bruscas na carreira do Libertador sobre temas como a aboliçäo da escravidäo e a ordem constitucional na América do Sul. Cada um pode olhar para um período de sua vida e escolher o que lhe convém. O que me interessa em Bolívar é sobretudo seu papel em busca da integraçäo regional.
A maior parte da vida política de Bolívar foi a luta pela libertaçäo dos territórios que formavam o Vice-Reinado de Nova Granada e hoje correspondem à Venezuela, Colömbia, Panamá e Equador. Ele logrou separá-los da Espanha e ainda fez o mesmo com o Peru e a Bolívia, mas falhou em conservá-los como um só país ou mesmo como uma federaçäo de naçöes andinas.
Nesse sentido, impressiona um documento como a Carta da Jamaica, de 1815, onde Bolívar examina com incrível lucidez os problemas que a integraçäo enfrentaria e propöe a criaçäo de uma Liga Sul-Americana, que realizaria congressos no Panamá. Também é incrível sua profecia de que o Oceano Pacífico seria a principal via de comércio internacional do futuro.
As idéias estäo todas lá. E ao mesmo tempo existem as dificuldades, as rivalidades e as disputas que fragmentam a Gra-Colömbia em vários pequenos Estados. É particularmente interesante a capacidade de que tinham, unidos, em negociar empréstimos no exterior em condiçöes vantajosas, algo que se perdeu inteiramente com as divisöes.
Nos últimos anos Bolívar virou um mito muito forte entre a esquerda da Colömbia (os guerrilheiros do M-19 chegaram a roubar sua espada de um museu, num sensacional golpe de marketing) e entre, claro, Chávez na Venezuela. Curioso como essa interpretaçäo ignora muitos gestos de Bolívar, em particular sua relutäncia em alterar a distribuiçäo das terras e as relaçöes raciais. Mas de certo modo seu comportamento ilustra problema que Chávez vive hoje, como a dificuldade em lidar com o parlamento e suas polëmicas medidas econömicas.
3 Comentarios:
Não me recordo exatamente onde li isso, mas parece que Evo Morales, presidente do país que leva o nome do Libertador, não o tem como referência política exatamente porque Bolívar não teve uma visão mais avançada sobre a questão racial, e sua mensagem se dirigiu muito mais à elite branca nacional.
Oi, Marcus.
Foi no blog do Sergio Leo, que escreveu um ótimo texto a respeito. Sem dùvida, e tambèm porque na Bolívia já havia um movimento libertador próprio, desconfiado da interferëncia de San Martin e Bolívar em seus assuntos.
Os indígenas bolivianos näo foram lá muito beneficiados com a independëncia da Espanha e preferem ter como referëncia as lutas de líderes como Tupac Katari, ainda durante o período colonial.
Abraços
Pascual de Andagoya......¿alavés antipático?
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