Duas Vezes Junho
"Com que idade se pode comessar a torturar uma criança?"
Depois de um mës e meio enfurnado em livros acadëmicos, finalmente consegui tempo para ler um pouco de literatura. Comecei por uma pequena jóia, o romance "Dos Veces Junio", de Martin Kohan (foto) - está publicado em portuguës, mas é muito difícil de encontrar no Brasil.
A história é ambientada em dois dias nos quais a seleçäo argentina foi derrotada em partidas da Copa do Mundo. O primeiro em 1978, o segundo em 1982. Em ambos os casos, o esporte funciona como um símbolo para as perdas morais e políticas do país, pois o leitor que conhece a Argentina já deve ter notado que as duas datas ocorreram durante a terrível ditadura militar de 1976-1983.
O romance é narrado por um rapaz que serve o Exército como recruta em 1978. Ele é designado para ser motorista de um médico que trabalha num centro de torturas, avaliando a capacidade de resistëncia dos presos. O romance começa com o rapaz lendo a frase que inicia este post, e se escandalizando - onde já se viu um relatório militar com erro de ortografia!
A cena dá o tom para o resto do livro. Com seu apego às regras, seu silëncio e omissäo, o rapaz será cumplíce do assassinato sob tortura de uma presa política e do roubo de seu bebë recém-nascido pelo médico a quem serve.
Quatro anos depois, o rapaz estuda medicina e lë no jornal a notícia da morte do filho do médico, na guerra das Malvinas. Ele resolve entäo visitar o ex-superior e encontra o bebë roubado da prisioneira, que é criado como filho pela irmä estéril do médico.
O romance é um dos melhores tratamentos que vi na literatura sobre ditadura militar, tortura, impunidade e os silëncios que nos tornam cúmplices dos crimes mais terríveis. Retrato perfeito de muitos que se calaram na América Latina. E outra dica certeira de mestre Idelber. Obrigado.
Fico me perguntando se o presidente Lula diria as bobagens que anda dizendo sobre a ditadura militar brasileira se tivéssemos em nosso país uma nova geraçäo de artistas lidando com temas como esse. A bem da verdade, deveria ser responsabilidade dos políticos, mas em nossa América de instituiçöes frágeis, a cultura acaba assumindo muitas funçöes de representaçäo dos problemas sociais.
2 Comentarios:
Pensei que v. estava repetindo post. depois me toquei que foi o Idelber Avelar, do Biscoito Fino que falou do Kohan, não faz muito tempo. Mas passei por aqui por outro motivo, mestre Santoro. Só para fdesejar feliz natal!!!
Grande Sergio, obrigado pelo abraço de Natal, aproveito para desejar tudo de bom para você e sua família! Felicidades!
Abraços
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