sexta-feira, dezembro 22, 2006

Duas Vezes Junho


"Com que idade se pode comessar a torturar uma criança?"

Depois de um mës e meio enfurnado em livros acadëmicos, finalmente consegui tempo para ler um pouco de literatura. Comecei por uma pequena jóia, o romance "Dos Veces Junio", de Martin Kohan (foto) - está publicado em portuguës, mas é muito difícil de encontrar no Brasil.

A história é ambientada em dois dias nos quais a seleçäo argentina foi derrotada em partidas da Copa do Mundo. O primeiro em 1978, o segundo em 1982. Em ambos os casos, o esporte funciona como um símbolo para as perdas morais e políticas do país, pois o leitor que conhece a Argentina já deve ter notado que as duas datas ocorreram durante a terrível ditadura militar de 1976-1983.

O romance é narrado por um rapaz que serve o Exército como recruta em 1978. Ele é designado para ser motorista de um médico que trabalha num centro de torturas, avaliando a capacidade de resistëncia dos presos. O romance começa com o rapaz lendo a frase que inicia este post, e se escandalizando - onde já se viu um relatório militar com erro de ortografia!

A cena dá o tom para o resto do livro. Com seu apego às regras, seu silëncio e omissäo, o rapaz será cumplíce do assassinato sob tortura de uma presa política e do roubo de seu bebë recém-nascido pelo médico a quem serve.

Quatro anos depois, o rapaz estuda medicina e lë no jornal a notícia da morte do filho do médico, na guerra das Malvinas. Ele resolve entäo visitar o ex-superior e encontra o bebë roubado da prisioneira, que é criado como filho pela irmä estéril do médico.

O romance é um dos melhores tratamentos que vi na literatura sobre ditadura militar, tortura, impunidade e os silëncios que nos tornam cúmplices dos crimes mais terríveis. Retrato perfeito de muitos que se calaram na América Latina. E outra dica certeira de mestre Idelber. Obrigado.

Fico me perguntando se o presidente Lula diria as bobagens que anda dizendo sobre a ditadura militar brasileira se tivéssemos em nosso país uma nova geraçäo de artistas lidando com temas como esse. A bem da verdade, deveria ser responsabilidade dos políticos, mas em nossa América de instituiçöes frágeis, a cultura acaba assumindo muitas funçöes de representaçäo dos problemas sociais.

2 Comentarios:

Blogger Sergio Leo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Pensei que v. estava repetindo post. depois me toquei que foi o Idelber Avelar, do Biscoito Fino que falou do Kohan, não faz muito tempo. Mas passei por aqui por outro motivo, mestre Santoro. Só para fdesejar feliz natal!!!

dezembro 23, 2006 4:11 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Grande Sergio, obrigado pelo abraço de Natal, aproveito para desejar tudo de bom para você e sua família! Felicidades!

Abraços

dezembro 24, 2006 11:45 AM  

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