O México Fala Por Nós
Vi "Babel" por estes dias e embora näo seja meu candidato ao Oscar (aposto nos "Infiltrados") achei o filme muito bom. Mais do que isso, ele se junta a outras duas produçöes também dirigidas por cineastas mexicanos ("Filhos da Esperança" e "O Labirinto do Fauno") que pintam um panorama sobre problemas como racismo e autoritarismo, que säo comuns a toda América Latina.
Isso me fez pensar na aula que tive com o embaixador chileno na Argentina, Luís Maira. Ele é um político da oposiçäo a Pinochet que viveu muitos anos exilado no México e um dos pontos mais interessantes de sua exposiçäo foi nos chamar a atençäo para a importäncia política desse país: "A América Latina näo existiria se näo fosse o México", nos disse Maira.
Seu ponto é que a força da cultura mexicana e os freqüentes questionamentos que aquele país faz sobre sua identidade funcionaram como um contraponto à influëncia avassaladora dos EUA. Se a fronteira dos Estados Unidos fosse com uma pequena naçäo como Honduras ou El Salvador, talvez todo o nosso continente virasse uma espécie de Venezuela, onde o nível de colonialismo cultural é algo verdadeiramente chocante, ou pelo menos me deu essa impressäo.
Em "Babel" e "Filhos da Esperança" os cineastas Alejandro Gonzáles Iñárritu e Alfonso Cuarón mostram visöes dos imigrantes clandestinos nos EUA e na Europa e das trocas culturais e do racismo associado a essas jornadas, bem como de respostas desesperadas aos problemas atuais, como o terrorismo (ou a impressäo de terrorismo, em Babel). Essa é uma história da qual os brasileiros também fazemos parte, para os gringos somos igualmente cucarachas, embora tenhamos enormes relutäncias em nos identificar com os demais latino-americanos.
Na Argentina, tendo acesso ao cinema e à literatura de vários países do continente, me impressiona ver o quanto eles abordam os mesmos temas da arte brasileira. Mas a produçäo cultural do nosso país está se empobrecendo em relaçäo a dos vizinhos, devido ao isolamento. Por isso, o México hoje fala por nós. Quem sabe um dia poderemos nos juntar ao diálogo.
6 Comentarios:
olá, maurício. leio teu blog direto, acho excelente. fiquei querendo saber mais sobre isso de o "colonialismo cultural" na venezuela ser "verdadeiramente chocante". abraço, parabéns pelo blog.
Oi, Tiago.
Seguinte: a principal atividade econömica da Venezuela é o petróleo, que até os anos 70 foi explorado por empresas americanas.
Como resultado, da classe média para cima a cultura venezuelana vive de imitar os padröes dos EUA, numa escala que faz a Barra da Tijuca, no Rio, parecer um monumento nacionalista.
Estive em países bem pobres da América Latina, como Equador e Paraguai, mas em nenhum vi uma degradaçäo cultural täo grande quanto na Venezuela. O país näo acompanhou sequer o boom da literatura e da música latino-americana que começou nos anos 60.
O reverso da moeda é uma reaçäo nacionalista muito forte, o que explica em parte o apelo popular de Chávez.
Abraços
Grande Maurício,
é verdade que o Brasil vive um tanto isolado do restante da América e isso nos empobrece, não há dúvida. São diálogos que nos dizem respeito e para os quais permanecemos surdos, ao que parece.
Sobre Babel, no entanto, eu queria fazer outro comentário (além do fato de ter achado bom sim, mas nada mais que isso). É um certo parentesco que percebo entre ele e "Encontros e desencontros", de Sofia Coppola. Ambos me provocam inquietações sobre os efeitos do que se chama grosseiramente de globalização. "Babel", de forma ostensiva. "Encontros", numa sutileza exasperante. "Babel" é sobre como seu lugar de origem nunca te deixa; "Encontros" é sobre não ter mais lugar de origem.
Salve, Rodrigo.
Com certeza, há uma certa semelhanca entre os dois filmes, incluindo o proprio cenario de Toquio na historia da moca surda-muda.
Por coincidencia vi por esses dias o filme novo da Sofia Coppola e me pareceu que mais do que a biografia da rainha Maria Antonieta o que temos eh uma especie de "encontros e desencontros em Versalhes".
Abracos
Grande Santoro, gostei do Babel, mas me incomodou terrivelmente, no mau sentido. Me pareceu, em alguns momentos, um belo resultado de uma escola de roteiro (a forma bem bolada como encaixa quatro filmes quse independentes, especialmente a parte japonesa da trama). Mas sem a força psicológica de um Dogville, por exemplo.
É engenhosa a maneira de tratar o problema da falta de comunicação, dos atos extremos a que as pesoas chegam por não aceitar a forma como são vistas pelos outros (a mocinha japonesa, o sobrinho mexicano) ou a ilusão de poder provocada pelo desconhecimento dos limites impostos pelos outros (o garoto esperto marroquino, o americano feito pelo Brad Pitt), logo reduzida a suas verdadeiras dimensões, de impotência.
Mas sabe o que me incomodou? Além do exotimso mexicano e da idealização da povo marroquino (difícil ficar convencido com aquele altruísta que recebe impassível a explosão temperamental do americano), me irritou uma coisa besta, mas significativa. Saímos sabendo exatamente o destino da mulher baleada, a miséria da capenga família japonesa, e até o da mexicana. E o pobre sujeito do Marrocos parece deixado, no fim, em quinto plano pelo drama dos outros. É o verdadeiro Outro, que aparece em toda sua humanidade na tela (ponto para o Iñarrutu), mas some convenientemente de cena por razões que não se explicam...
Bom, mas o crítico de cinema aqui é vossa excelência. Sou um diletante, e mal-humorado...
Salve, Sergio.
Todos os filmes do Alejandro Iñarritu seguem essa fórmula, das histórias interconectadas por um acidente. Soa meio forçado às vezes, mas acho que funcionou bem em Babel e Amores Perros.
A sua crítica do tratamento dado aos marroquinos também apareceu em alguns jornais daqui. Houve um crítico que disse que o roteiro era muito mais duro com os personagens pobres (que sempre se estrepavam) do que com os de classe média. Achei uma boa observaçäo.
Abraços
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