segunda-feira, janeiro 29, 2007

Dançando com Cuba



Encontrei num sebo da Avenida de Maio um livro muito bom: "Dancing with Cuba: a memoir of the Revolution", de Alma Guillermoprieto. Ela é uma jornalista mexicana que escreve sobre a América Latina para revistas e jornais do continente e dos EUA, o que näo sabia é que seus primeiros empregos foram como dançarina. E que trabalhos! Neste livro ela conta como passou um semestre em Havana, em 1970, como professora de dança moderna na Escola Nacional de Artes. A narrativa de Alma é um relato agridoce da Revoluçäo e dos choques entre artistas e o governo de Fidel.

Alma era pouco mais do que uma adolescente quando chegou a Cuba e encarou o desafio de treinar os alunos nas técnicas que a vanguarda da dança realizava em Nova York. Boa parte do encanto do livro vem da descriçäo da jovem professora aprendendo à medida que ensina e se tornando amiga de estudantes talentosos, mas com formaçäo deficiente e sofrendo com a má infra-estrutura.

O governo da Revoluçäo quis criar escolas artísticas modernas para afirmar o prestígio de Cuba, mas os guerriheiros veteranos da Sierra Maestra näo sabiam como lidar com dançarinos e coreógrafos temperamentais e pouco dispostos a aceitar o rígido cänone marxista. O diretor da escola, um soldado que näo queria o posto, se referia a seus discípulos como "comemierdas" e "patos" (gíria pejorativa para homossexuais).

O pano de fundo político do livro é um momento difícil para Cuba: o fracasso do ambicioso programa de colher uma safra de dez milhöes de toneladas de cana de açúcar. Alma captura bem o sentimento generalizado de frustraçäo e se mostra dividida diante do entusiasmo com as conquistas sociais da Revoluçäo e as demonstraçöes de autoritarismo e de escassez material que experimenta na ilha.

Outro ótimo livro sobre Cuba que comprei por aqui foi "Tumbas sin Sosiego - Revolución, disidencia y exílio del intelectual cubano", do historiador Rafael Rojas. Trata-se de um cubano que se exilou no México e se opöe tanto ao governo de Fidel quanto às políticas dos EUA para a ilha. Seu livro é um estudo sobre as relaçöes entre os principais escritores cubanos e a Revoluçäo, de 1959 aos dias de hoje.

Grosso modo, Rojas identifica um padräo inicial de adesäo à Revoluçäo, que termina para alguns em 1961, quando Cuba se torna comunista, e para outros entre 1968-1971, quando termina o período mais criativo do socialismo na ilha e o regime se fecha no modelo soviético. O "ponto sem retorno" para Rojas é o caso Heberto Padilla, um poeta preso e torturado por suas críticas ao governo de Fidel. Foi nesse momento que intelectuais do porte de Sartre, Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa e Octavio Paz romperam com o regime cubano. Reparem que Alma viveu exatamente esse período de transiçäo.

Rojas também examina a grande onda do exílio dos balseros nos anos 80/90 e das novas literaturas que apareceram em Cuba, dando voz aos exilados de Miami, aos homossexuais e demais dissidentes do regime. Há ao longo de todo o livro de Rojas um apelo para o retorno ao diálogo e à tentativa de construir uma cultura da reconciliaçäo que sirva de base para a transiçäo de Cuba após a morte de Fidel. Por coincidëncia, no domingo saiu um ótimo artigo no La Nación falando sobre a mesma mudança de atitudes entre os cubanos de Miami, na medida em que uma geraçäo mais jovem assume o comando das fundaçöes cubano-americanas.

A única crítica séria que faço aos dois livros é que eles examinam somente a questäo de artistas e intelectuais. Mas como ficam os 99% dos cubanos que näo säo nem uma coisa nem outra? Como é seu dia a dia sob o governo de Fidel? Quais seus sonhos, expecativas, medos? Como avaliam o legado da Revoluçäo? O que esperam do futuro?

3 Comentarios:

Blogger Sergio Leo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Caro Santoro, te recomendo algo que nem terminei de ler, o artigo da Foreign Policy deste bimestre, "Was Castro good for Cuba?" (repare que já mataram o velho. É um diálogo entre Ignácio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, que defende o homem, e Carlos Alberto Montaner, umd e seus maiores opositores. Interessantíssimo. Lá no Foreignpolicy.com.

continue vasculhando os sebos por aí!!!
forte abraço

janeiro 30, 2007 10:38 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Grande Sergio,

obrigado pela dica, vou dar uma olhada. Aliás, na Argentina há uma revista chamada "Archivos del Presente" que em todo número traz uma seleçäo de artigos da Foreign Policy, traduzidos para o espanhol.

Abraços

janeiro 31, 2007 6:49 PM  
Blogger Ana Saraiva said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Pela descrição aqui no post, dá mesmo vontade de ler o livro! Quanto às perguntas, é ainda difícil saber como pensam os cubanos, presos que estão a muitas décadas sob regimes autoritários. Conheço um pouquinho de Cuba, estive lá em 2002 e convivi quase só com cubanos e fora do circuito turístico, mas ficam-me mais perguntas do que respostas...

fevereiro 05, 2007 8:58 AM  

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