segunda-feira, outubro 30, 2006

A Vitória de Lula


Estive com Lula uma vez, quando ele era candidato à presidência nas eleições de 2002. Visitou o Iuperj para um debate qualquer. Eu estava sentado numa das cadeiras próximas à entrada, lendo uma revista econômica, quando ele chegou. Apertou a mão de todos, inclusive a minha. Na ocasião, me espantou o entusiasmo que ele despertara nos funcionários - um sinal da arrancada que culminaria com sua vitória meses mais tarde.

Passei seu primeiro governo trabalhando em boa medida com monitoramento de políticas públicas no plano federal. Conheci muita gente, de ministros a técnicos, e vi de tudo: pessoas sérias e dedicadas ao lado de canalhas consumados, mais um monte a quem dou o benefício da dúvida. Além do problema da corrupção e da falta de caráter, acho que os maiores obstáculos foram a fragilidade financeira, o mau relacionamento do Executivo com o Congresso, a carência de funcionários qualificados em muitos dos novos ministérios e as dificuldades em lidar com a fragmentada máquina administrativa do Estado brasileiro.

O colega Conspirador Alexandre observou que Lula foi candidato em todas as eleições presidenciais desde que o Brasil voltou a ser uma democracia. Para o bem e para o mal, sua presença marca todo este período. Como diria o próprio, nunca antes na História nacional houve um político com tais características. Talvez isso seja inevitável: num país de instituições ainda frágeis, em consolidação, aumenta a importância das pessoas, de líderes carismáticos que possam fazer a mediação entre as demandas sociais e o Estado.

O formato dessa relação mudou muito. Lula despontou para a vida política brasileira como o líder do Novo Sindicalismo, o movimento dos trabalhadores concentrado no setor mais moderno da indústria - as grandes fábricas automobilísticas do ABC - que criticavam tanto a ditadura militar quanto o populismo da Era Vargas e seus sindicatos controlados pelo Estado.

Aquele movimento operário virou símbolo das aspirações dos brasileiros e catapultou Lula ao lugar em que está hoje. Mas o Novo Sindicalismo não existe mais. Foi sepultado pela automação das empresas, pela triplicação da taxa de desemprego e pela nova mobilidade ganha pelo capital numa economia internacional mais aberta. Seus líderes assumiram posturas muito próximas àquelas dos ´pelegos' de Vargas - vide o presidente da CUT que virou Ministro do Trabalho. Os movimentos sociais estão em larga medida desarticulados diante do governo, relutantes em criticá-lo. Postura que a meu ver abriu caminho para muitas coisas ruins.

O próprio Lula virou uma espécie de pai dos pobres, com um discurso de reforma social baseado em políticas de assistência garantida pelo Estado, mas com medidas econômicas que não promovem crescimento na escala necessária. Conquistou o eleitorado do Norte/Nordeste e se aliou às oligarquias tradicionais. Estratégia bem-sucedida em termos eleitorais. A vitória foi total: Alckmin perdeu 2 milhões de votos com relação ao primeiro turno. Lula venceu em 19 dos 27 estados, embora tenha perdido na região Sul, em São Paulo (por baixo percentual) e nos estados agroexportadores.

Nos governos estaduais, temos o Centro-Sul com o PMDB e PSDB, e o Norte/Nordeste dividido entre PT, PDT e PSB. Boa nova é a surra do PFL, que fica somente com o Distrito Federal, onde elegeu o inacreditável Arruda - aquele da violação do painel do Senado, lembram?

A campanha presidencial foi tediosa e não vi entusiasmo nem nos colegas cientistas políticos. Uma amiga chegou a me falar em "vergonha da política" por parte dos eleitores. Talvez seja o percurso inevitável das democracias - do ímpeto dos anos iniciais passamos para uma fase mais rotineira, um tanto chata. Mas eventualmente, a vida será melhor e mais estável, sem as montanhas russas de crises sem fim.
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