sábado, outubro 21, 2006

Confissões de um Canastrão

Há boas razões pelas quais um cara se torna professor universitário, no entanto as más são mais divertidas. O ofício exige exibicionismo em grau elevado, ou seria psicologicamente impossível um sujeito ouvir o som da própria voz durante oito horas seguidas, enquanto discorre sobre as relações entre Kant e o nacionalismo, a corrida armamentista entre Brasil e Argentina, o plano Marshall ou qualquer outra catilinária que imponho a meus pobres alunos. O único consolo que eles têm é que ao menos não incomodo o público em escala maior, como ator canastrão ou orador de boteco.

Se a atividade de professor muito de teatro, as palestras então batem na trave de um musical da Broadway. Este semestre está sendo bem atarefado para mim nesse tipo de performance - foram duas só nesta semana, uma na PUC-Rio sobre América Latina contemporânea e outra na UVV, em Vila Velha, sobre as organizações não-governamentais no sistema ONU. Gosto muito desse tipo de evento: a gente é paparicado pelos amigos e alunos, nos servem refeições maravilhosas e sempre se conhece pessoas interessantes. É a melhor profissão do mundo.

Ontem, no Espírito Santo, minha palestra foi precedida de uma bela apresentação de tango. Fiquei divagando: meu ofício é assim tão diferente do daquele do casal de dançarinos? Noves fora a destreza de ambos, estávamos todos ali para entrenter a platéia, embora eu tivesse a desvantagem de não poder executar meu número com uma flor na boca.

O curioso foi uma aluna que veio me cumprimentar após a fala afirmando que tinha assistido a outra palestra minha, no mês passado numa simulação da ONU no Rio de Janeiro. Me senti o Bob Dylan. Daqui a pouco saio em turnê, começando pela Argentina, claro.

Depois do evento, fui jantar com amigos queridos da universidade - Rodrigo, Evelyn, foi ótimo rever vocês, que agora me devem o troco em Buenos Aires! - e um dos assuntos do papo foi o "acadêmico como artista frustrado". Brincaram comigo dizendo que meu caso era o cinema, mas juro que minha ambição limita-se a escrever um bom romance. Mas tudo bem: a teoria política tem seu quê de ficção, afinal uma de suas funções é imaginar mundos possíveis.

***

E falando no demônio, segue o link para meu artigo acadêmico mais recente: "Participação Social e Direitos Humanos no Mercosul". Também preparei dois outros na mesma linha, um para a revista Democracia Viva, outro para um livro da PUC.

Ciência política é uma cachaça. Mantenham suas crianças longe disso.

4 Comentarios:

Blogger Rodrigo Cerqueira said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Obrigado pela parte que me toca, Maurício, e, novamente, por esse, digamos, espetáculo que você tão prontamente aceitou fazer. Aqui todos gostaram da palestra. Vou ler o artigo (ou seria "a exibição") e prometo pensar com carinho nessa fugida a Buenos Aires. Sobre os eventos e convites, para nós também é muito bom rever os amigos e participar dos jantares. Já sobre a cachaça da ciência política, não afaste as crianças não. Ao contrário, deixe que elas se viciem antes que o mundo seja governado apenas por uma pequena casta de bebuns.

outubro 21, 2006 3:29 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Meu caro,

eu é que agradeço pelo convite, foi tão legal que eu deveria ter ficado todo o fim de semana no Espírito Santo. Recomendarei todos vocês ao meu irmão.

Façamos um acordo quanto às bebidas: mantemos as crianças longe da cachaça mas as apresentamos aos vinhos, sobretudo aos tintos chilenos, ok?

Abração

outubro 22, 2006 6:52 PM  
Blogger Sergio Leo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Hummmm, pena não poder fazer palestras com uma rosa na boca... Tome cuidado em Buenos Aires, professor; os caras lá se beijam no rosto mas são conservadores paca. Guarde a rosa para a volta.

Desvantagem mesmo é que, na palestra, dificilmente v. terá uma parceira de vestido longo com um grande decote rasgado na perna...

Seu blogue estrá cada vez melhor mestre, posso imaginbar a qualidade das palestras.

grande abraço.

outubro 23, 2006 5:23 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Grande Sergio,

nunca consegui me acostumar com o hábito argentino e uruguaio de beijo no rosto entre homens, em especial quando os ditos cujos são barbudos. Mas paciência, são os problemas do multiculturalismo...

A flor na boca será uma dificuldade, mas gostei da idéia das parceiras de decote, ainda que não tenha ilusões sobre em quem os alunos irão prestar atenção.

Abraços

outubro 23, 2006 10:44 PM  

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