África em Tela
Todas as vezes que penso na África me lembro da moça que cantava no mercado de pulgas de Johannesburgo.
Eu estava num pequeno estande de livros, conversando com a simpática proprietária, uma velhinha que me recomendava obras sobre África do Sul, Angola, Quênia. E a mulher que trabalhava numa barraca vizinha começou a cantar, enquanto limpava o local. Talvez ela não tivesse o que comer quando chegasse em casa. Talvez vivesse com medo da violência, da pobreza ou de outro cavaleiro do apocalipse africano. Mas cantava.
Tudo que diz respeito à África do Sul sempre me emociona de maneira especial. Assisti a dois excelentes filmes do país no Festival do Rio: o drama “Infância Roubada” e o documentário “Os Dozes Discípulos de Mandela”.
“Infância Roubada” é o (péssimo) nome em português de Tsotsi, que venceu o Oscar de filme estrangeiro de 2006. O título é gíria para bandido e é o apelido do protagonista, um rapaz que chefia uma gangue de criminosos pés-de-chinelo na megafavela de Soweto, próximo a Johannesburgo, o coração empresarial da África.
Numa noite, um dos membros da gangue faz perguntas a Tsotsi sobre seu passado – coisas banais como seu nome verdadeiro, quem foram seus pais, se ele teve um cachorro etc. O rapaz responde com fúria, espanca o amigo e sai descontrolado. Termina por roubar um carro e balear uma mulher num bairro rico. Mais tarde, descobre um bebê no banco traseiro.
Tsotsi resolve ficar com a criança e ao longo dos dias seguintes a companhia do bebê provoca nele uma série de reações que lançam a esperança de um pouco de humanidade e ternura em seu ambiente de violência e privações. Mas o rapaz está tão carregado pela tragédia que há um limite para sua capacidade em mudar.
Gostei muito do filme – é uma espécie de “Cidade de Deus” com menos violência e mais lirismo, tudo isso ao som empolgante do Kwaito, o hip hop sul-africano, e um grupo de jovens atores com excelente desempenho.
Os “Doze Discípulos de Mandela” também foi uma bela surpresa, pelo tom simpático com que narra a odisséia de jovens militantes do Congresso Nacional Africano que deixaram a África do Sul em 1960 para criar redes de apoio no exterior a luta contra o apartheid. O resultado foi um épico que atravessou todo o continente africano e se estendeu a Cuba, aos Estados Unidos e à Inglaterra.
A história seria empolgante em qualquer circunstância, mas o diretor Tom Harris encontrou o tom ideal. Ele entrou em contato com a odisséia dos Doze quando sua mãe, americana, se casou com um dos rapazes. Harris era um menino de 9 anos, que havia sido abandonado pelo pai, e iniciou uma forte relação afetiva com o padrasto revolucionário.
O filme não é só um documentário político tradicional, é também uma bela história de amor do enteado com o padrasto, marcada por amizade, admiração, mas igualmente pelas dificuldades, brigas, dor e sentimento de distância e exílio. Impossível não se comover e se emocionar com o apartamento do Bronx que serviu de ponto de encontro para toda uma geração de exilados africanos e negros americanos, unidos pelo sonho comum de acabar com o mais odioso regime racista do mundo.
2 Comentarios:
Boas indicações... mas vc sabe se estes filmes estarao na mostra aqui em Sampa?
Olá, Gigi.
A Mostra Internacional de Sampa costuma ser ainda mais completa do que o Festival do Rio, de modo que as probabilidades são altas. Sobretudo no caso do Tsotsi, que está muito badalado por causa do Oscar.
Salve, Igor.
Não tinha ouvido falar do filme que você citou, mas parece interessante.
Aliás, obrigado pelo romance que você me emprestou. Estou adorando, e totalmente no clima da Berlim de 1945. Depois escreverei sobre ele por aqui.
Abraços
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