domingo, outubro 01, 2006

O Guardião



Eu havia dado palestra num centro de estudos do Exército e passara o dia em Brasília, circulando entre instalações militares. Já estávamos no fim da tarde quando me despedi dos oficiais que me acompanhavam e pedi ao soldado que servia como meu motorista que me levasse ao aeroporto. Conversávamos sobre sua vida na capital, suas expectativas de carreira nas Forças Armadas. Foi quando ele me contou que fizera parte da guarda presidencial de Lula. O tom que usou não indicava que aquele houvesse sido um período feliz.

“A maioria das pessoas poderosas que conheço exige muito de quem está a seu redor, mas não costuma ser lá muito educada”, eu disse. “É verdade”, ele me respondeu, “Eu dava bom dia ao presidente e ele nem me olhava, passava direto com a cara amarrada.” Comentamos o quanto aquele comportamento era injusto. Para além das regras básicas de cordialidade, um suboficial do Exército foi assassinado protegendo a vida do filho de Lula.

Lembrei do soldado ao ver “O Guardião” no Festival do Rio. Mais um bom filme argentino, com roteiro caprichado e excelente atuação do protagonista Julio Chávez. Ele interpreta Rubén, o guarda-costas de um ministro argentino. O segurança é um homem solitário, com uma família problemática, cuja vida se dá à sombra do poder.

O poder não é um lugar, ou uma pessoa, mas uma rede pegajosa de relações, afirma a escritora Rosa Montero. Artemio, o ministro para quem Rubén trabalha, talvez nem seja particularmente arrogante. Ele se esforça para ser jovial e brincalhão, mas suas atitudes cotidianas reduzem Rubén a um status servil, quase de objeto, sem direito a desejos próprios.

Vamos descobrindo a relação entre os dois de maneira fragmentada, pelas imagens que Rubén vislumbra por uma porta entreaberta, por um pedaço de espelho retrovisor, entre as cortinas que protegem a intimidade dos poderosos. Os diálogos também surgem incompletos, trechos de frases ditas em celulares ou sussurradas em elevadores e automóveis oficiais.

Há vários filmes nos EUA sobre seguranças e guarda-costas, em geral ressaltando dever, senso de responsabilidade, sacrifício. Estava na hora da perspectiva latino-americana para destacar o lado obscuro dessa relação de força.

2 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Essa relação do Lula com o segurança me fez lembrar uma matéria recente, acho que da Folha, maurício, que falava das pessoas invisíveis, as gentes de uniforme, ou em serviços pessoais, que são ignoradas por quem delas se serve... É preciso um esforço consciente para tornar visíveis essas pessoas, que estão por toda parte. Guindado a um lugar tão cheio de ameaças e desafios como a presidência, o Lula, possivelmente, nem se dá conta de como trata alguns desses subordinados.

Bela dica, diga-se de passagem.

Veja a maravilha desse mundo tecnológico; você muda de país e continuará _ espero _ dando conta de suas experiências e sacadas, neste sítio aqui cada vez mais frequentado. Será muito bom ler suas impressões do país vizinho.
Boa Sorte!

outubro 02, 2006 6:56 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Salve, Sergio.

Não li a reportagem da Folha, mas conheço matérias parecidas e concordo totalmente.

No que toca ao Lula, esse tipo de comportamento é particularmente triste, porque o próprio presidente já foi uma dessas pessoas invisíveis. O rapaz que foi seu guarda também era nordestino e deve ter sentido ainda mais a ferida.

O blog certamente continuará da Argentina. Aliás, ele foi criado para manter o papo com um amigo nos EUA. Infelizmente BB abandonou o ofício de blogueiro. Quem sabe ele não se anima a voltar?

Abraços

outubro 02, 2006 10:25 PM  

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