domingo, setembro 10, 2006

Banco Mundial e Combate à Pobreza




Na sexta-feira dei palestra sobre políticas de combate à pobreza numa “Simulação da ONU” promovido pela Universidade Estácio de Sá, evento que virou febre entre estudantes de relações internacionais. Cada um interpreta o representante de um país e as equipes se dividem em comitês que reproduzem o sistema das Nações Unidas. É um achado como ferramenta pedagógica: costuma ser uma maneira divertida de ensinar e os alunos levam a sério, preparando bons guias de estudo e se vestindo a caráter.

Me coube falar no comitê dedicado ao Banco Mundial. Os delegados tinham a missão de discutir as estratégias de redução da pobreza defendidas por essa instituição e minha tarefa foi expor a visão de uma organização não-governamental. A ONG em que sou pesquisador tem status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da ONU e atua com freqüência em parceria com o sistema das Nações Unidas, de modo que a simulação teve um toque bastante familiar.

Comecei discutindo as diversas maneiras de medir a pobreza, chamando a atenção para os enfoques que lidam não somente com a questão da renda, mas envolvem acesso a direitos, serviços públicos e abordam o impacto da discriminação social e racial sobre a falta de oportunidades - por exemplo, para conseguir emprego. Contei o caso de uma mulher nos EUA que usou seu primeiro cheque do Welfare não para comprar comida, mas para adquirir uma dentadura, alegando que sem dentes nunca seria aprovada numa entrevista de trabalho. Está certíssima.

Narrei impressões de viagens pela América Latina e África para mostrar que o crescimento do PIB, por si só, não significa a melhora das condições de vida. A experiência latino-americana recente contrasta níveis médios ou altos de aumento do Produto Interno Bruto ao mesmo tempo em que pioraram as desigualdades e o desemprego. No caso africano, destaquei a importância de investimentos em infraestrutura e em saúde pública (AIDS, tuberculose, malária), condições sine qua non para levar adiante mudanças sociais de vulto.

Daí fiz a ponte para criticar as Metas do Milênio da ONU, afirmando que são um retrocesso com relação às decisões das conferências sociais da década de 90. Frisei que refletem um cenário de maior fragilidade para a ajuda internacional e que o contexto não mudou após os atentados de 11 de setembro.

Encerrei a palestra falando sobre o papel das ONGs na fiscalização das políticas públicas e proposição de alternativas, mas ressaltei que nada substitui o Estado, que continua a ser o ator com real capacidade de colocar em prática ações de combate à pobreza. Seguiu-se um bom debate com os participantes e perguntas sobre economia política, controle à corrupção, modos de funcionamento de organizações não-governamentais, o papel de imprensa.... Todos foram muito gentis, as coordenadoras inclusive me perguntaram se eu poderia falar em outros campi da universidade.

A palestra foi no campus da Barra da Tijuca, ao lado do Barrashopping. Ainda dei um pulo lá, para ver as novidades na Fnac. Tudo muito limpo e elegante, gente bonita. Peguei a Avenida das Américas rumo ao centro e havia pobreza subsaariana em cada sinal de trânsito. Às vezes simplesmente detesto este país.

Imagem: pedaço do painel de Xavier Cortada, “Sonhando em acabar com a pobreza” na sede do Banco Mundial, em Washington.

3 Comentarios:

Blogger Unknown said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Olá Maurício! Ou seja, no fim das contas, acabamos sempre voltando ao Realismo, teoria ou não, sem trocadilhos...
Abraços!

setembro 10, 2006 6:46 PM  
Blogger Rodrigo Cerqueira said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Oi Maurício,

uma aluna minha participou do Sionu no Banco Mundial representando a Bolívia. Ela adorou o evento, mas não perguntei ainda sobre sua palestra porque não sabia que você havia participado. Se ela disser que gostou, eu volto aqui para te dizer (hehehe). No final de outubro faremos uma simulação aqui em Vila Velha. O antigo SOI (lembra?) agora se chama Nações (www.nacoes.org.br) e os alumos estão empolgados. A conferência de abertura será com o Ricardo Seitenfus. Sinta-se convidado, sua presença será sempre uma honra.

Por fim, sobre o papel do Estado nas questões sociais, creio que sua constatação é desanimadora. Vivemos num mundo onde o Estado tem cada vez menos poder e menos mecanismos de ação. Por outro lado, o capital financeiro e as grandes corporações ampliam seu espaço de forma voraz, contribuindo para a exclusão de populações inteiras mundo afora. Nesse cenário, se cabe ao Estado promover distribuição de renda, creio que os mais pobres estão em situação delicada. Vejo com muito bons olhos as ações do terceiro setor e sei que há ONGs trabalhando sério para pressionar e fiscalizar o Estado em suas ações sociais, mas se é do Estado que se depende fundamentalmente, então a coisa está feia, companheiro.


Grande abraço,

Rodrigo Cerqueira

setembro 11, 2006 12:23 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Meus caros,

vamos aos comentários.

Claudia, se a gente não se interessa pelo realismo, o realismo dá um jeito de se meter na nossa vida. Sempre.

Oi, Rodrigo.

Não lembro da delegada da Bolívia, mas houve um bom debate depois da palestra, espero que ela tenha gostado.

Uma das perguntas que me fizeram foi qual o nível justo de interferência que um Estado podia sofrer do Banco Mundial ou de outras instituições internacionais. Questão difícil, não é? Com o nível de endividamento e fragilidade dos Estados na América Latina e na África, fatalmente a influência externa vai ser muito alta...

Fui num dos velhos SOI da UVV em 2002 e gostei muito. Mas no fim de outubro vou estar em Minas Gerais, para a ANPOCS.

JM,

a crítica às metas é que elas são adequadas apenas a países muito, muito pobres. O Brasil já cumpriu a maioria delas e ainda assim nosso país continua com problemas sérios.

Meu chefe gosta de implicar com a meta de "diminuir pela metade o número de pessoas que passam fome" perguntando quem irá escolher a metade que continuará a passar fome...

Igor,

tinha me esquecido do outro Mariani! Quanto ao nosso almoço, que tal quarta-feira?

Abraços

setembro 11, 2006 8:09 PM  

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