Fratelli
O que fazer com a herança revolucionária quando não há Revolução à vista?
Durante a ditadura militar uruguaia, um grupo guerrilheiro havia roubado US$20 milhões do caixa 2 de empresas multinacionais instaladas no país. Dinheiro sujo, destinado à corrupção. Pouco depois do assalto, a rede foi desbaratada e todos fugiram, exilaram-se ou foram presos. Julgavam que a fortuna havia sido perdida. A morte do líder do grupo – conhecido pelo codinome Fratelli (irmãos, em italiano) promove o reencontro de todos em Montevidéu e a descoberta de que o dinheiro está a salvo numa conta secreta da Suíça. Cada um tem apenas um pedaço da senha, de modo que precisam colaborar. A questão: que destino dar à fortuna? Eis a trama de “Fratelli”, excelente romance de Eduardo Mariani. (clique neste link do Globo para ouvir o autor lendo o início do livro).
Depois de tantos anos, cada amigo seguiu um rumo e alguns se afastaram muito dos ideais da juventude. Moreno virou pequeno industrial na Itália (“sua liberdade o desconcertava. Ele a havia desejado muito, mas, tendo-a, se perguntava se não era um pouco parecida com solidão e indiferença do mundo”), Triana tornou-se médica na França. Marambio ficou no Uruguai e seguiu carreira como acadêmico e consultor empresarial (“Aventava-se seu nome como ministro ´técnico´ de um provável governo da esquerda.”). Brianza transformou-se num popular ator de TV (“Para ele, a revolução havia sido uma aventura, e tinha se visto nela no papel do herói, que não se furtava a encarnar ainda hoje.”). Outros foram vivendo como profissionais liberais ou pequenos comerciantes, sem nenhuma utopia que os unisse.
Mas acima de tudo e de todos, há Gaby. Bonita, sedutora, sem muitos escrúpulos, fugiu para Cuba e ascendeu a um cargo de importância no aparato de segurança do regime de Fidel. Ela se considera a única representante legítima da Revolução e pleiteia todo o dinheiro. Olha seus ex-colegas com um misto de ternura e desprezo: “Naquela Época, tinha sentido respeito e até amor por eles. Mas o que eram agora? Um pequeno rebanho de burgueses pacatos e conformistas. Só seu passado os diferenciava do mais vulgar dos comerciantes”.
Obviamente, muitos dos membros do grupo contestam os direitos de Gaby – ou de Cuba, dá no mesmo – de ser a continuidade autêntica com os ideais do passado. Atualíssimo nestes dias pós-Fidel.
O romance de Mariani é excelente ficção, com um olhar carinhoso sobre os desencontros e desilusões da geração da luta armada. E também ajuda a iluminar o debate sobre os rumos da esquerda neste início de século XXI, que não é propriamente a época mais feliz da história da humanidade.
***
Este blog aderiu à campanha "Xô, Sarney", apoiando Cristina Almeida ao senado e em defesa da jornalista Alcinéa Cavalcante.
2 Comentarios:
Pois é, acabou virando a semana da literatura uruguaia aqui no blog... Nacionalidade à parte, os personagens de Fratelli poderiam ser de qualquer país sul-americano.
Abraços
Ué, família Mariani?
Só conheço o Eduardo!
E meu dever de blogueiro é divulgar a cultura, a boa literatura e o bom cinema!
Abraços
Postar um comentário
<< Home