Vidas Paralelas: McNamara e Colin Powell
Garimpei nos sebos as memórias do general Colin Powell (“Minha Jornada Americana”) e o acerto de contas com o passado do ex-secretário de Defesa dos EUA, Robert McNamara (“In Retrospect – the tragedy and lessons of Vietnam”). Os dois homens aparecem juntos na foto acima, que reuniu na Casa Branca antigos membros da alta administração do país. A comparação entre a vida de ambos ilustra aspectos decisivos da história americana contemporânea.
Os dois têm origens comuns, de famílias pobres mas sólidas e estáveis, com pais que os estimularam a estudar. Reproduziram o modelo em casamentos duradouros e, aparentemente, felizes.
McNamara tem ascendência irlandesa e cresceu na Califórnia. Foi para a universidade estadual em Berkeley porque ali poderia estudar quase de graça. Formou-se em economia e, aluno brilhante, cursou a pós-graduação em administração de empresas em Harvard. De lá foi recrutado para a Força Áerea na Segunda Guerra Mundial, que precisava desesperadamente de gestores para os milhões de militares que entravam na organização.
Powell é filho de imigrantes jamaicanos e cresceu no Bronx. Disciplinado mas não particularmente brilhante, foi cursar a City College of New York – instituição pública conhecida como “Harvard dos pobres” pela excelência do ensino e faixa de renda do corpo discente. Formou-se sem distrinção em geologia, mas cursou o CPOR e tomou gosto pela vida militar. Resolveu seguir a carreira de oficial do Exército, teve excelentes avaliações e recebeu os primeiros postos no exterior, como tenente na Alemanha e capitão e major no Vietnã.
Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, oficiais que administraram a Força Aérea venderam seus serviços para empresas que queriam se modernizar. McNamara foi para a Ford e em 15 anos tornou-se presidente da firma, o primeiro fora da família do fundador. Sete semanas após assumir o cargo, o recém-eleito presidente Kennedy o convidou para secretário de Defesa, para fazer o caminho inverso e levar as novas técnicas de administração ao Estado.
As Forças Armadas dos EUA eram segregadas racialmente até 1948, apenas 10 anos antes da entrada de Powell na instituição. Os oficiais negros ainda eram raridade mas ele afirma – creio que com razão – que o sistema meritocrático do Exército o tornava a melhor possibilidade de carreira para os afro-americanos. Contudo, a maior parte das bases militares fica no sul, que naquela época pré-Ato dos Direitos Civis ainda era uma região segregada. O jovem Powell recebia as melhores notas nas academias da infantaria, mas ao sair do quartel não podia usar o banheiro na lanchonete.
McNamara foi um dos jovens gênios acadêmicos recrutados por Kennedy, os “the best and brightest”. Mas os mil dias de governo de JFK foram conturbados por crises internacionais: Baía dos Porcos, a construção do Muro de Berlim, os mísseis cubanos. Em 1962 MnNamara enviou 16 mil soldados americanos ao Vietnã, como “conselheiros militares”.
Entre eles, o capitão Powell, que serviu no país duas vezes. Em ambas observou o despreparo do Exército, a falta de clareza quanto aos objetivos e botou o dedo na ferida: mecanismos de recrutamento injustos, que penalizavam os pobres e diminuíram o moral do Exército. No auge da guerra, mudava sua cama de lugar todas as noites, pois tinha medo de ser assassinado pelos Vietcongs ou por seus próprios soldados.
Todo o livro de McNamara é uma tentativa de entender como ele seus colegas tecnocratas conseguiram cometer tantos erros no Vietnã: desinformação, cegueira ideológica – viam tudo em termos capitalismo x comunismo e não conseguiram entender que era primordialmente um conflito de libertação colonial, nacionalista – dificuldades no relacionamento do presidente com o Congresso e até a escassez de funcionários especializados em Ásia, pois a maioria havia sido vítima das perseguições do Mccarthismo, como bode expiatório da vitória comunista na China.
Powell sobreviveu ao Vietnã e foi catapultado para os círculos do poder em Washington, servindo em cargos de confiança em governos democratas (Carter, Clinton) e republicanos (Nixon, Reagan, Bush Senior e Junior). Critica a corrupção em Nixon e o despreparo de Reagan, com ataques a alguns de seus chefes sob Bush, como o então secretário da Defesa (atual vice-presidente) Dick Cheney a quem chegou a chamar numa discussão, de brincadeira, de “direitista maluco”.
McNamara é admirador e defensor de Kennedy, mas tem reservas quanto ao sucessor a quem também serviu, Lyndon Johnson, a quem ataca como isolado e teimoso, pouco aberto ao diálogo, ocultando informações vitais à sociedade e que acabou por decidir pela desastrosa expansão que levou a meio milhão de soldados americanos no Vietnã.
Após a derrota naquela guerra, Powell foi figura chave nas reformas do Exército que tranformaram os militares americanos numa força de voluntários. Como chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, comandou a reestruturação que se seguiu ao colapso da URSS e foi um dos líderes de maior prestígio na Guerra do Golfo.
Em fevereiro de 1968, ainda em meio ao choque da Ofensiva do Tet lançada pelo Vietcong, McNamara deixou a Secretaria de Defesa e tornou-se presidente do Banco Mundial, cargo que ocupou por mais de uma década. Tem dedicado boa parte do seu tempo a eventos de memória e autocrítica aos erros que cometeu nos anos 60.
Powell entrou para a reserva em 1993. Foi sondado para se candidatar a cargos políticos, inclusive especulou-se sobre sua possível campanha à presidência. Foi secretário de Estado no primeiro mandato de Bush jr, no qual desempenhou o pouco glorioso papel de arregimentar apoio à invasão do Iraque. Continua a ser uma das figuras públicas mais populares dos EUA.
1 Comentarios:
Salve, Igor.
Conheço o filme sim, e gosto muito. "Sob a Névoa da Guerra" se inspira bastante no "In Retrospect", o próprio McNamara repete várias frases e episódios do livro no filme.
Abraços
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