Amizade é Civilização
Devo a minha querida amiga Patrícia, minha ministra da Juventude, a dica de ver o filme francês “Amigo é para essas Coisas” (Zim and Co), de Pierre Jolivet. Apesar do título de sessão da tarde, é uma comédia esperta, ágil e muito interessante sobre os problemas da França atual, mostrados através da amizade de três adolescentes da periferia parisiense.
Victor descende de poloneses, Ched de marroquinos e Arthur, de alguma nacionalidade da África negra. O ministro do Interior da França e candidato da direita às eleições presidenciais, Nicholas Sarkozy, poderia se referir a eles como racaille, escória. Como os dois últimos têm pele escura, são parados o tempo todo pela polícia e tratados de modo diferente pelos professores e outras autoridades. Victor é um branco pobre, mas é branco – a questão se mostrará essencial numa das melhores e mais divertidas cenas do filme. Aos poucos se junta ao grupo Safia, a prima de Ched, que vira namorada de Victor.
“Amigo é para essas coisas” começa com Victor se metendo numa enorme encrenca por causa de um acidente de trânsito. Ele agora precisa arranjar um emprego com carteira assinada (o CDI francês) ou corre o risco de ir para a cadeia. Na tentativa de arrumar trabalho, Victor envolverá os amigos numa série de incidentes cômicos, trágicos e esdrúxulos que misturam os ingredientes das comédias italianas dos anos 60 (digamos, as da Mario Monicelli) com as preocupações sociais do cinema independente dos EUA (a França multiétnica e cheia de ódios raciais lembra os filmes de Spike Lee).
Os três amigos estão entre os personagens mais azarados, trapalhões e adoráveis do cinema contemporâneo, é impossível não se sentir solidário e torcer por eles. O filme aborda com leveza e ternura todas as grandes questões políticas da França: a marginalização dos jovens das banlieu, que tocaram fogo no país em 2005, o desemprego juvenil, a importância crucial do contrato permanente de trabalho, o racismo cotidiano das autoridades, a dificuldade de redefinir as identidades – pessoas e coletivas – de um país de diversas culturas e cores de pele.
A promessa de universalização da cidadania expressa na Constituição e nos ideais franceses é letra morta diante da realidade de preconceitos e agressões. O Estado surge no filme apenas em sua faceta repressiva, da polícia e do sistema judicial-carcerário. Barbárie. Os verdadeiros valores da civilização – liberdade, igualdade e fraternidade – aparecem na amizade entre os jovens.
Pensei no grande ensaísta político do século XVI, Étienne de la Boétie, e seu Discurso sobre a Servidão Voluntária, escrito após testemunhar um massacre de camponeses. Boétie dizia que amizade e tirania são incompatíveis e que laços mais sólidos entre os cidadãos garantiriam a liberdade. Acredito nisso. Longa vida aos amigos – de seus pactos poderá nascer uma sociedade nova.
1 Comentarios:
Meu caro,
o velho Ernest tinha razão e Paris é uma festa, mas também é muito, muito longe para quem se vira nas banlieus.
Marquemos nosso almoço para sexta. Tenho os dois livros para te emprestar - o do Brasil no comércio internacional e aquele sobre a França, escrito pelo correspondente do NY Times.
Abraços
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