Agualusa
“Certos nomes deviam ser obedecidos, isto é, deviam implicar um destino”, afirma o escritor angolano José Eduardo Agualusa no início de seu romance “Um Estranho em Goa”. A frase se aplica ao próprio autor, cronista e criador de personagens que circulam por uma “nação crioula” ligada pela cultura comum da colonização: Portugal, Angola, Brasil. Água-lusa. O velho império marítimo forjado pelos lusitanos.
Sou fã de Agualusa há 6 anos, desde que li “A Estação das Chuvas”, obra-prima sobre a guerra de libertação colonial angolana. De lá para cá devorei também “Nação Crioula – a correspondência secreta de Fradique Mendes”, que imagina o personagem de Eça de Queirós rodopiando entre África, América e Europa e o ótimo “O Vendedor de Passados”. Nos últimos dias foi a vez de duas pequenas jóias: “Um Estranho em Goa” e o volume de contos “Manual Prático de Levitação”.
O primeiro é um romance com tintas de reportagem sobre o cotidiano em Goa, antiga colônia portuguesa incorporada à Índia em 1961, à força, pelas tropas de Nehru. Narrado em primeira pessoa, é uma jornada à Ásia em busca de um ex-líder guerrilheiro angolano que seria na verdade um agente duplo português, e estaria refugiado em Goa. O enredo é na verdade um pretexto para fascinantes digressões sobre o diabo, os demônios e a busca de identidades num mundo em constante transformação. Sobre os portugueses serem “europeus”, por exemplo:
“Nunca foram. Não o eram antes e não o são hoje. Quando conseguirem sinceramente que Portugal se transforme numa nação européia, o país deixará de existir. Repare: os portugueses construíram sua identidade por oposição à Europa, ao Reino de Castela e como estavam encurralados lançaram-se ao mar e vieram ter aqui, fundaram o Brasil, colonizaram África. Ou seja: escolheram não ser europeus.”
Ou dos moradores de Goa que querem ser mais “autênticos” do que a ex-metrópole:
“Os últimos descendentes da velha aristocracia católica ostentam nomes igualmente improváveis, tão portugueses que nem em Portugal existem mais, e fazem-no com o orgulho melancólico de quem tudo teve, e tudo viu ruir e desaparecer.”
O “Manual Prático de Levitação” inclui contos ambientados em Angola, no Brasil e em “outros lugares de errância”, sobretudo na Europa. São histórias curtas, algumas delas geniais, como “Se nada mais der certo, leia Clarice”, uma parábola sobre os sonhos redimindo a humanidade da qual gostei tanto que recomendei a amigas, como quem indica um bálsamo contra os males deste mundo.
Agualusa diz que o Brasil deveria ir à África, para ter mais orgulho de si mesmo. Se não der para cruzar o Atlântico, ao menos descubra novas belezas na língua portuguesa pela prosa do angolano.
1 Comentarios:
Nunca mais consegui achar a crônica sobre a Barbie de Huambo, acho que não foi publicada em livro no Brasil, apenas esteve na Internet.
Você vai ao debate sobre política peruana no CEBRI, na quinta-feira? Talvez possamos nos encontrar por lá e almoçar.
Abraços
Postar um comentário
<< Home