Bolívia: Nossa Marca é a Crise
Ontem fui assistir ao documentário "Bolívia: história de uma crise" (Crisis is our Brand, no título original), de Rachel Boynton. O filme conta os bastidores da campanha presidencial de 2002 do magnata da mineração Gonzalo Sanchéz de Lozada, que venceu o líder cocaleiro Evo Morales por apenas dois pontos.
Sanchéz de Lozada já havia sido presidente da Bolívia entre 1993-1997 e aplicado um
controverso programa de privatizações. Como passara a maior parte da vida nos EUA, falava espanhol com um atroz sotaque americano. Campanha difícil. Contratou então a empresa de consultoria política CGS, que se tornou célebre ao ajudar a eleger Bill Clinton presidente dos EUA.
O nome mais conhecido da firma é James Carville, um tipo carismático, com palavras de efeito e gestos fortes. Mas quem se destaca no documentário são seus assistentes, ótimos analistas políticos, parecem sujeitois legais, bons de se conversar e pedir dicas de livros.
Para um cientista político viciado na profissão, como é meu caso, o melhor do documentário é poder ver a aplicação das técnicas de marketing político que aprendi na pós-graduação, quando fiz um curso sobre o tema. Está tudo lá: o uso de grupos focais para testar a propaganda, a necessidade de um "molde" (frame) para dar a mensagem do candidato, a influência decisiva dos pequenos comerciais de TV (spots). A ilustração dos manuais sobre o tema. A técnica funciona: Sanchéz de Lozada havia começado 16 pontos atrás do líder, o ex-prefeito de Cochabamba Manfredo Reyes, e termina em primeiro lugar.
Como a vida não funciona como cartilhas de ciência política, o filme mostra os limites da propaganda, como a arrogância de Sanchéz de Lozada, que por vezes dificulta o trabalho dos consultores, ou a simples dificuldade dos americanos em compreender os aspectos mais dramáticos da realidade boliviana, como o fato de que mesmo um modesto aumento de impostos pode comprometer o orçamento de uma família pobre. Sanchéz de Lozada acabou renunciando pouco mais de um ano após assumir a presidência pela segunda vez, nos protestos que tiveram como estopim sua decisão de exportar gás boliviano para os EUA, via portos chilenos.
É curioso também que os consultores não tenham percebido o fenômeno Evo Morales, a quem se referem como forte somente em sua região de atuação, a zona agrícola da coca, o Chapare. No fim ele quase venceu a disputa, em parte porque uma declaração desastrada do embaixador dos EUA, que o comparou a Bin Laden, tornou-o símbolo do nacionalismo boliviano.
Nos créditos, estão listados os países em que a CGS fez consultorias e lá consta o Brasil. Foi o mote para que uma espectadora reagisse indignada: "Que merda!". De repente, as 20 pessoas no cinema, das quais a metade estava no meu grupo de cientistas sociais e jornalistas, começaram a discutir ao mesmo tempo, num animadíssimo debate sobre América Latina. Apareceu até a tia do candidato à presidência que Morales derrotou em 2005! Tivemos que ser gentilmente enxotados da sala pelo perplexo funcionário do cinema, mas o papo continou no corredor e os espectadores de meia idade ficaram impressionados com o entusiasmo daqueles jovens de vinte e tantos anos que contestavam com paixão e indicavam pilhas de sites e livros sobre o tema.
Já é mais do que hora de sacudir a poeira da vida acadêmica, não é?
2 Comentarios:
Mauricio, isto não tem nada a ver com este seu último post mas mandei hoje um email coletivo à amigos com uma cópia do poema do A Romano de Sant´Anna que apareceu no JB de hoje (Domingo, dia dos pais) porque sei que são poucas as pessoas que ainda lêem esse jornal hoje em dia e o texto é belo e vale a pena ser lido. Tentei incluir seu endereço do Clio mas não deu certo. Então aqui vai a dica, just in case... abraços, a.
Oi, Alexandra.
Obrigado mais vez por outra boa dica, mas não consegui acessar o texto dele no novo site do JB.
Você poderia enviar o poema para meu email msantoro@iuperj.br?
Beijo
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