Mea Cuba
Há cinco anos convenci meu irmão a ir a Cuba com a justificativa de que seria talvez nossa única oportunidade para conhecer um país socialista. E tinha que ser rápido, antes que Fidel morresse. Eis trechos do email que escrevi aos amigos quando voltei da ilha (eram tempos pré-blog, pessoal):
“Saindo dos limites da zona turística e passeando pelos bairros centrais de Havana, vimos áreas de grande pobreza, com prédios caindo aos pedaços, à semelhança dos cortiços cariocas. Não é a miséria abjeta do Brasil - não há meninos de rua ou pessoas dormindo sob as marquises - mas é uma situação de bastante escassez. Homens, mulheres e crianças pedem aos turistas dinheiro ou itens cotidianos como roupas, sabonete ou pasta de dente.
Também era comum sermos abordados por cubanos que nos ofereciam algum tipo de negócio não muito limpo envolvendo rum, charutos ou câmbio paralelo. Essas pessoas não eram agressivas, falavam suave e puxavam conversa na melhor tradição dos malandros de toda parte.
O assédio aos turistas é maior no fim de semana, quando os cubanos aproveitam a folga na escola ou no emprego para tentar ganhar um dinheiro extra prestando serviços aos turistas. De segunda a sexta as pessoas estão ocupadas cuidando da vida e é bem mais tranqüilo para passear.
Os cubanos também procuram os turistas em busca de notícias, como me disse um rapaz: "Temos poucas fontes de informação, por isso gostamos de conversar com os estrangeiros, saber da vida em seus países. É nossa maneira de fazer um turismo imaginário."
Houve um momento em que senti o gostinho da Revolução, como deve ter sido aos idealistas dos anos 60. Ironicamente, foi no Museu da Revolução, belíssimo acervo sobre a história das lutas sociais cubanas (e não só do regime estabelecido em 1959) que funciona no antigo palácio presidencial. A exposição é excelente, só comparável ao que vi de melhor na Europa. O que me emocionou foi ver um garotinho, negro, passeando com o pai e apontando as fotos: “Olhe, papai, são Che e Camilo!”. Fiquei pensando quando, no Brasil, um menino pobre teria uma oportunidade cultural daquelas, e o senso de orgulho e identidade com a história nacional.
Continua meu email:
“Fora dos muros do museu, a realidade é mais complexa. Saímos do memorial revolucionário e percorremos o Malecón (a avenida beira-mar de Havana) rumo ao Vedado, para tomar um sorvete na Copélia – que está para a capital cubana como a Confeitaria Colombo para o Rio de Janeiro. Enquanto os cubanos esperavam seus sorvetes numa longa fila, dando voltas no quarteirão, os estrangeiros tínhamos entrada rápida e especial, simplesmente por pagar em dólar.“
A reflexão da esquerda brasileira não tem me agradado. Claro que há exceções, mas em geral é um saudosismo danado em torno dos tempos áureos de Fidel.
Gostei mais desta ótima entrevista do historiador cubano Rafael Rojas, que fala das relações da Revolução com os artistas e acadêmicos do país. Ele analisa as realizações no cinema, na literatura e fala das tensões e perseguições. Seu resumo do legado cultural da Revolução:
Creo que un sentido muy agudo que se creó pero que está ahora en decadencia o en crisis: la defensa de valores como la soberanía, la justicia y la igualdad. Son valores que la revolución colocó en el centro de su imaginario, de su plataforma simbólica, segregando a la periferia otros importantes valores, como la libertad. La revolución también modernizó de algún modo el orden cultural que traíamos de la república; es decir, conectó mucho la cultura cubana con la izquierda occidental en los años sesenta y setenta, y le inyectó cosmopolitismos y contemporaneidad a esa cultura.
6 Comentarios:
Eu ainda não fui. Quero ir. Mas tenho a certeza de que Fidel vai nos enterrar a todos.
Se os teus patrões se empolgarem e invadirem a ilha, de repente você descola uma viagem para Havana. Certamente haverá demanda pelo trabalho de assessores de imprensa!
Mas torce para ser rápido, porque o Fidel está mais para lá do que para cá....
Abraços
Gente,
certa vez conversava com uma jóvem médica cubana que conheci na República Dominicana e que sonhava em imigrar pra cá. Ela tinha la suas críticas ao regime de Fidel então eu lhe disse, tentando levantar suas esperanças (atenção, suas, não minhas): "...pero Fidel se va a morir algun día!" ao que ela replicou: "siii...eso creía yo también!..." - ahaha!! Como diria a própria, portanto, "bamoaber!"
Beijos, a.
Se até o Roberto Marinho se foi, Fidel também terá que deixar este palco algum dia...
Vocês viram o Globo desta quinta? O repórter que o jornal mandou clandestino a Cuba, o Leo Valente, é meu amigo. Estou louco para bater um papo com ele e saber das aventuras na ilha!
Abraços
Maurício, por que você não aproveita e organiza uma "tertulia" com esse seu amigo jornalista - para que comparta de sua experiência única com gente interessada, mas de jeito informal - sem que seja seminario, nem nada? Não tenho ainda casa própria para oferecer mas me encarregaria de ajudar com qualquer outra coisa caso vocês dois achassem a idéia boa... Sabe, acho que fazem tanta falta "eventos/encontros" desse tipo aqui no Rio... Bem, já sabe, estou a disposição. Beijos, a.
Oi, Alexandra.
Excelente idéia! Certamente o Leo estará muito requisitado pelas próximas semanas, mas vou sugerir a ele fazer uma conversa desse tipo.
Beijo
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