terça-feira, setembro 26, 2006

Documentando o Iraque



O Festival de Cinema do Rio começou e nestes primeiros dias minha ênfase foi nos documentários. O gênero é um casamento entre cinema e jornalismo e como tal só podia mesmo adorá-lo. A programação está concentrada nos grandes temas da agenda internacional e assisti a dois sobre o Iraque: “Meu País em Ruínas” e “Na Sombra das Palmeiras do Iraque”.

O primeiro é o melhor. Conta a história de um médico e líder comunitário sunita que se candidata a vereador em Bagdá, nas eleições de 2005. A partir daí temos um panorama da vida do país que inclui imagens da Zona Verde, o complexo militar de onde os EUA administram o Iraque, a ação das empresas de segurança privada no Curdistão, a detenção ilegal de pessoas (incluindo crianças) na famigerada prisão de Abu Grahib e o clima de medo e tensão permanente entre os militares americanos, que levam a tantas mortes de inocentes.

Embora o tema não seja o mais ameno do mundo, a família do protagonista é divertidíssima e encara as provações do cotidiano iraquiano com um humor anárquico digno das velhas comédias italianas. O cenário político não é nada engraçado: os sunitas são minoria no país mas desfrutavam de privilégios no regime de Saddam Hussein. Sua relação com os americanos é péssima, depois dos massacres na cidade de Fallujah e do boicote da maioria dos sunitas às eleições de 2005. O protagonista não consegue ser eleito e termina o documentário dizendo ter vontade de deixar o país.

O segundo documentário começa um mês antes da invasão americana e acompanha as vidas de pessoas comuns: um professor, seu filho intérprete, um instrutor de luta livre, um vendedor de jornais. O diretor retornou ao país depois da guerra e mostra o que mudou no cotidiano: aumento da pobreza, do desemprego e da inflação, medo da violência (da resistência e da criminalidade comum) e o sentimento de humilhação vindo da ocupação estrangeira. O cineasta teve boa parte do material de filmagem confiscado e o documentário se ressente disso. Às vezes parece tosco e incompleto.

Ambos os filmes são testemunhos importantes e com certeza ajudarão em minhas aulas. É sempre bom VER os lugares e os eventos dos quais falo a meus alunos, fora a riqueza dos dramas humanos exibidos. Mas é ilusório pensar que esses documentários mostram a realidade do Iraque. Os dois se concentram em personagens sunitas, de classe média/média alta, que falam inglês com fluência e não são representativos da maioria da população iraquiana. Não por acaso, moram no mesmo subúrbio afluente de Bagdá.

O Iraque é um emaranhado de credos, mas o que ocorre de politicamente mais importante é a mobilização (e com freqüência, radicalização) dos xiitas. Mais do que isso, esse grupo religioso está se articulando internacionalmente com seus colegas de fé no Irã e no Líbano, num movimento de amplitude sem precedentes. Eventualmente, a formação de um eixo xiita no Oriente Médio pode ser a conseqüência mais imediata da política externa americana na região, com efeitos imprevisíveis para a estabilidade da área.

1 Comentarios:

Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Salve, meu caro.

Não tinha ouvido falar do Ground Truth, e ele não consta da programação do festival. Mas acho provável que entre na do próximo ano, os filmes sobre o Iraque estão com bom público.

Hoje vou ver um suspense argentino, "O Guardião".

Abraços

setembro 28, 2006 10:14 AM  

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