domingo, outubro 22, 2006

Super-Homem no Supermercado



Você está entusiasmado pela cobertura da imprensa sobre as eleições presidenciais? Se estiver, meus parabéns. Sou jornalista e cientista político e quase durmo ao ler os jornais e assistir à TV. Por isso foi um alívio descobrir o excelente trabalho de reportagem de Norman Mailer em “O Super-Homem vai ao Supermercado”, coletânea de três textos sobre convenções presidenciais nos EUA da década de 60, publicada na suculenta coleção de jornalismo literário da Companhia das Letras.

A única coisa que eu havia lido de Mailer fora “Os Nus e os Mortos”, bom romance sobre a Segunda Guerra Mundial. Sabia também que ele é um dos expoentes do chamado “Novo Jornalismo”, ao lado de Tom Wolfe e Truman Capote. Basicamente, uma turma de ótimos escritores que utilizou técnicas de ficção para redigir reportagens. Nas palavras do próprio Mailer: “Julgava que a ficção podia nos levar mais para perto da verdade que o jornalismo, o que não quer dizer que se deva inventar fatos quando se escreve um relato sobre gente de verdade.”

Mailer cobre as convenções para a escolha dos candidatos à presidência dos EUA como uma oportunidade para radiografar os sonhos e temores do país naquele momento. A primeira e melhor reportagem do livro fala sobre a inesperada escolha de Kennedy em 1960. A segunda aborda a ascensão do republicano Barry Goldwater em 1964, num espírito de “contra-revolução”, de oposição às transformações sociais em curso. A terceira, e mais trágica, fala das convenções de 1968, com os republicanos ficando com Nixon e os democratas num conclave suicida em Chicago, que culminou em dias de pancadaria e quebra-quebra na cidade e na própria convenção, com o país dividido pelo Vietnã e pelas tensões raciais.

A obra-prima do livro é a análise de Kennedy, que encarnava a busca de mitos e heróis (“a política da América seria também o filme favorito da América, a principal telenovela, o maior best seller”) ao mesmo tempo em que lidava com o supermercado do consumo de massas e das grandes campanhas eleitorais.

Há bons perfis no livro de diversos políticos americanos: os irmãos Kennedy, Nixon, Goldwater, o prefeito Daley (velho cacique democrata de Chicago), Adlai Stevenson e outros. Mas o melhor são as descrições dos tipos comuns, os militantes de base, os delegados das convenções, a atmosfera de cada encontro, além de uma análise magistral da “política como propriedade”.

Mailer tem mais de uma semelhança com Gore Vidal, que aliás detestava – surrou-o uma vez porque o autor de “A Era Dourada” disse que ele era... violento!. Ambos escrevem com inteligência, ironia, sarcasmo mas também com óbvia paixão pela política. Os dois tentaram, sem sucesso, se eleger para cargos públicos. Sinto falta de livros assim no Brasil, que possam ir além do simples denuncismo das nossas mazelas.
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