Um Cadáver na Política Externa
A morte, aparentemente por suicídio, do general Urano Bacellar é um cadáver na política externa do presidente Lula. O militar comandava a missão de paz da ONU no Haiti, uma empreitada desastrada comandada pelo Brasil porque o Itamaraty resolveu que era uma maneira de se credenciar para tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A morte do general vem na mesma semana em que o Japão anunciou sua retirada do G-4, a articulação diplomática pela vaga no Conselho que também inclui Brasil, Alemanha e Índia. Se é que ainda resta alguma expectativa de reforma depois do fiasco da cúpula da ONU em setembro.
A missão no Haiti caminha mal. Começou torta, dando suporte ao regime autoritário que depôs o presidente eleito (ainda que corrupto) Jean-Bertrand Aristide. As eleições já foram adiadas quatro vezes. O Exército patrulha as ruas de Porto Príncipe, a capital do país, fazendo o trabalho de polícia que sempre se recusou a desempenhar no Brasil.
A ONU está no Haiti porque crises naquele país jogam milhares de refugiados nas praias da Florida. O governo Bush está ocupado demais matando iraquianos para realizar uma ocupação no Haiti (como a que Clintou executou em 1994, com a abstenção do Brasil na ONU). Felizmente encontrou o Itamaraty disposto a bancar o pistoleiro de aluguel para os EUA, em nome da miragem do Conselho de Segurança. Como sempre, a elite política maquina em seus belos gabinetes de Brasília e a tropa de linha paga o preço dos erros.
Outros comandantes de missões de paz da ONU passaram por sérios problemas psicológicos, em virtude das terríveis dificuldades de sua atividade. Me vem à mente o general Rómeo Dallaire, que liderou os capacetes azuis em Ruanda. Mas a se confirmar o suicídio do general Bacellar, creio que será o primeiro caso dessa gravidade num oficial de patente tão alta a serviço das Nações Unidas. O fator humano. Não ajuda nos sonhos de grandeza da política externa brasileira.
5 Comentarios:
Será que este foi mais um erro do governo Lula, dedicar-se demais à grandes ambições internacionais em detrimento dos problemas internos do país? Será que estamos realmente prontos pra ocupar essa posição de destaque tão almejada no cenário mundial? Juro que não sei a resposta...
correção: "dedicar-se demais às grandes ambições" :)
Nica,
minha opinião é de que a política externa do Lula tem muitos acertos: aproximação com países em desenvolvimento, promoção das exportações em novos mercados (África, países árabes), integração da América do Sul.
Mas também tem o pecado original que é a obssessão com o Conselho de Segurança da ONU, fixação que levou o país a vários erros, como a missão no Haiti, tensões com a Argentina e o México, barganhas com a China.
Ainda é cedo para dizer, mas acho que a tragédia no Haiti vai levar os diplomatas brasileiros a pensar duas vezes antes de embarcar em outra aventura do gênero.
Bjs
Concordo que uma parte considerável da diplomacia brasileira não está nem aí para a situação no Haiti, mas também não sei se a missão internacional liderada pelo Brasil é um grande erro. Se o consenso internacional é de que a ONU (leia-se Estados Unidos e países europeus) errou no episódio de Ruanda por não intervir no país e impedir um genocídio, e se a crise no Haiti caminhava para uma situação similar, o envio de tropas internacionais foi a escolha certa.
Não nos esqueçamos que a guerra é um negócio muito sujo. Uso da força, pacificação, intervenção, missão internacional e outros termos são, no fundo, eufemismos para matar. Se a ONU tivesse intervido em Ruanda em 1994, será que não estaríamos discutindo os "abusos do exército Belga contra os hutus"? E, se não houvesse intervenção no Haiti, não assitiriámos a imagens de massacres lá?
Se o Brasil tem ou não um exército capaz de liderar as tropas internacionais, é outra discussão. Mas também eu não estudo relações internacionais, por isso posso estar falando besteira...
Salve, Bruno.
Não há ameaça de genocídio no Haiti, apenas instabilidade política decorrente de golpe. A meu ver a solução correta seria pressão da ONU e da OEA contra o golpe que depôs Aristide, reconduzindo-o ao poder. Foi isso que ocorreu em 1994.
No caso da necessidade de uma intervenção, ela deveria ser conduzida pelos países vizinhos ao Haiti, os que mais têm interesse na estabilização do país.
O Brasil não tem grande envolvimento comercial ou político no Caribe. Quando age nessa região, em geral é para agradar aos EUA. A missão do Haiti teve como precedente a ocupação da República Dominicana, em 1965, quando os Estados Unidos depuseram o governo de esquerda de lá.
Abraços
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