segunda-feira, maio 23, 2005

Companheiros

Neste fim de semana estive num seminário do IBASE que reuniu acadêmicos, líderes de ONGs e movimentos sociais para discutir uma agenda política comum. Como um dos organizadores do evento, tive uma oportunidade rara de conviver com militantes veteranos, na faixa dos 45-60 anos, de vários países da América Latina e da Europa, que passaram por experiências dramáticas como a luta contra ditaduras militares ou viveram momentos de importância histórica como a derrocada dos regimes comunistas no Leste Europeu.

De lá para cá muita coisa mudou no mundo. As lutas sociais estão mais fragmentadas e surgiram questões novas ligadas aos direitos humanos, etnia, orientação sexual, meio ambiente etc. Não é fácil para os militantes de outra época se adaptarem a este cenário um tanto confuso. O Fórum Social Mundial é a principal tentativa em andamento.

O debate político mais interessante do seminário ocorreu entre os participantes europeus, absolutamente divididos com relação ao Tratado Constitucional da UE, que está em votação. Escreverei mais sobre isso ao longo da semana, por ora marco que as conversas que tive me mostram o quanto preciso aprender sobre as questões comunitárias da Europa. A fundação alemã com a qual trabalhamos contratou uma jovem cientista política brasileira que fez mestrado na Alemanha e batemos papos interessantes sobre a situação do país após a queda do muro. Estou tentando convencê-la a cursar o doutorado no IUPERJ.

Outro ótimo convívio foi com um colega colombiano, amigo de Garcia Márquez. Ele me contou ótimas anedotas sobre o escritor e conversamos sobre literatura hispano-americana, falando de Cortázar, Carpentier, Vargas Llosa, Juan Rulfo, entre outros. Concordamos que o Fórum Social deveria dar mais importância à cultura e até pensamos em algumas possibilidades para a próxima edição do evento, que será na Venezuela daqui a 6 meses.

No sábado à noite fizemos uma excelente festa à beira da piscina. Um dos participantes, um chileno que militou junto aos índios mapuche, tomou o violão e nos brindou com os clássicos do cancioneiro hispano-americano: Mercedes Sosa, Violeta Parra, Victor Jara, Pablo Milanés. Ouvir um sobrevivente das torturas de Pinochet cantar “Gracias a la Vida” mexe com qualquer um.

Depois um alemão se entusiasmou e tocou as músicas da Alemanha Oriental nos anos 60, que nos surpreenderam pelo tom jovial e alegre. “Eles estavam concectados!”, exclamou um espanhol. Como nosso colega vivera alguns anos em Moscou, ouvimos também canções soviéticas. O italiano atacou com os hinos da luta anti-fascista, “Bella Ciao” e “Bandiera Rossa”. Terminamos a madrugada meio bêbados cantando a “Internacional” em várias línguas. Esquerda festiva assumida.

Apesar da diferença de idade (ou talvez por causa dela) todos foram muito gentis comigo, elogiando meus esforços na organização do seminário e as traduções que fiz do inglês e do espanhol. Os dois diretores do IBASE presentes no evento insistiram para que na próxima edição eu participe como um dos palestrantes, porque eles querem ouvir “a voz da nova geração”.

O que me arrumam... Não tenho nenhuma grande idéia, proposta ou visão, a prática de jornalismo e de ciência política me habituou a focar e a me especializar. Por ora apenas aprendo com os mais velhos, admirando seu idealismo e dedicação. Mas tendo claro que o desafio da minha geração é outro. Há 5 anos disse em meu discurso de formatura que não estamos mais em 1968, é preciso sonhar um sonho novo. Continuo a pensar assim.

2 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Ei Maurício, que post bonito, esperançoso. Também penso assim. Entretanto, raros os colegas de redação com essas preocupações e é comum me sentir isolado, o que é ruim. Queria ter participado dessa reunião em volta da piscina e acompanhado também os debates do encontro. Até mais.

maio 25, 2005 12:04 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Salve, Luiz.

Obrigado. Me parece que o ceticismo (senão o cinismo) é o vício profissional do jornalismo, o que talvez explique tantos colegas amargos e desiludidos pelos cantos escuros das redações.

Acredito em mudança, sim. Menos pela via do Estado, mais pelas transformações de longo prazo na sociedade, nas relações sociais. Há pedras no caminho, que ainda assim é belo, diria mestre Lulu.

Abs

maio 26, 2005 10:26 AM  

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