segunda-feira, maio 30, 2005

A Civilização e seus Náufragos


Cena de "Um Filme Falado" Posted by Hello

Manoel de Oliveira é português, tem 98 anos, e é diretor e roteirista desde os tempos do cinema mudo. Seu lançamento mais recente é "Um Filme Falado". Não é um grande espetáculo. O ritmo é lento e sonolento e muitos diálogos são tediosos. Mas ainda assim, há nele momentos que me fizeram pensar nas dificuldades da Velha Europa nestes dias turbulentos.

Rosa é professora de História na Universidade de Lisboa e parte numa viagem de navio com a filha, rumo à Índia, onde as duas irão encontrar o pai da menina. O cruzeiro passa por pontos que tiveram papel importante na civilização do Mediterrâneo: Lisboa, Marselha, Nápoles e Pompéia, Atenas, Constantinopla, o Egito das pirâmides e do canal de Suez. Em cada local a mãe dá uma aula à filha sobre os acontecimentos marcantes daquelas regiões.

Na segunda metade o filme se concentra no navio, onde o comandante (John Malkovitch) recebe para jantar mulheres já um tanto idosas que tiveram carreiras de destaque nos negócios, na moda e na arte (interpretadas por Catherine Deneuve, Stefania Sandrelli e Irene Papas). Cada convidado vem de um país diferente, mas todos se entendem através das referências comuns à alta cultura européia. Até o momento em que o navio atravessa o Mar Vermelho e a trama é sacudida por fatos trágicos que se tornaram comuns neste mundo pós-11 de setembro.

A palavra chave para se entender o filme é "civilização". É o conceito que une as aulas de História antiga que a mãe dá à filha aos diálogos sofisticados da mesa de jantar no navio. Todos são muito gentis, cordiais, mas de um artificialismo forçado, frio. As mulheres mais velhas tiveram sucesso profissional, mas vivem uma vida sentimental vazia, sem maridos, filhos ou família e chegam a invejar a jovem professora portuguesa.

Num cineasta com quase 100 anos, não é de espantar que tudo no filme remeta ao passado, às ruínas de Atenas e Roma ou à juventude de beleza e triunfo das mulheres. As conversas seguem tediosas, com lugares comuns. Parecem o testemunho de uma civilização que já passou e não conseguiu se renovar, com personagens náufragos de uma segurança perdida numa Europa turbulenta. E agora desafiada pela violência que irrompe das margens do mundo.

Há várias definições para "civilização" ditas em momentos diferentes do filme. Minha favorita é aquela que não se expressou em palavras, mas pelas ações da protagonista: civilização é uma menina poder brincar em paz com sua boneca. Uma possibilidade tão rara no século XXI quanto nas épocas anteriores.
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