sexta-feira, novembro 10, 2006

Cenas Portenhas

Anúncio colado nos muros:

¿Estás preparado para la verdad?

Congresso UFO, Buenos Aires, 2006.


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Anúncio no suplemento cultural da prefeitura, distribuído gratuitamente:

"Se vocë tem dúvidas sobre sua identidade e acredita que pode ser filho de desaparecidos políticos, entre em contato com as Avós da Praça de Maio" (segue um endereço na Internet).

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As meninas usam cachecol.

Os velhos andam com um lenço no bolso do paletó.

Senhores väo de terno ao cinema.

Elegäncia de outros climas. E de outros tempos.

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Crianças com traços indígenas vendem flores na porta do shopping center, ou pedem trocados na calçada.

Homens com traços indígenas vendem guarda-chuvas, colare, bugigangas.

Pessoas de pele mais escura väo para as ruas à noite e recolhem papeläo, sucata, o lixo nosso de cada dia.

Apesar dos cafés e das livrarias, näo estou na Europa meditarränea. Definitivamente, isto aqui é América Latina.

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O La Nación entregou nesta semana seu prëmio literário de melhor romance para uma obra chamada "Bolívia Construciones", sobre a relaçäo de dois operários bolivianos com a família porteña de classe média para quem trabalham. O autor, um jornalista que publicou o livro sob o pseudönimo Bruno Morales, fez um discurso emocionado na cerimönia e doou o prëmio de dezenas de milhares de reais para um associaçäo de defesa dos imigrantes bolivianos.

Outro autor, Cesar Aira, acabou de lançar um romance sobre um jovem pit-boy que acaba se tornando amigo dos cartoneros.

Os dois estäo na minha lista de compras, mas só mës que vem. Neste, há trabalho acadëmico a ser feito.

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O clima na universidade é ótimo. Alunos de vários países, diplomatas, funcionários da ONU. Ainda bem, porque chego a passar 12 horas diárias por lá. A pesquisa está indo maravilhosamente bem, melhor do que eu imaginava.

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O önibus que tomo para a universidade atravessa Palermo Chico, deve ser a maior concentraçäo de renda da América Latina, aliada a um bom gosto estético totalmente ausente, digamos, na Barra da Tijuca.

O trajeto inclui o Jóquei Club, a Sociedade Rural Argentina (ponto de encontro da oligarquia mais reacionária) e os quartéis do exército de onde saíram algumas das rebelióes carapintadas dos anos 80. Às vezes sobe um senhor em traje de montaria completo, com direito até a chicote.

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Hoje fui num importante centro de estudos internacionais. Comprei dois livros, biografias sobre diplomatas argentinos que foram importantes nas relaçöes com o Brasil. Estanilao Zeballos foi o arquiinimigo do Baräo do Rio Branco, Ramon Cárcano ajudou a serenar os änimos e depois foi um competente embaixador na Era Vargas. Os computadores do centro traziam como fundo de tela imagens católicas. Me senti na TFP. Há uma parcela muito conservadora da sociedade do ponto de vista dos costumes e das religiöes.

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Os argentinos usam o corte de cabelo curto na testa e longo na nuca. Mullets. Numa freqüencia que no Brasil só é adotada por categorias sociais muito particulares, como cantores sertanejos. Preciso me lembrar disso e tomar cuidado quando for cortar o cabelo.

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Calle Florida, banca de jornal. Reproducao da primeira pagina do dia da morte de Evita. Mais adiante, outra banca com imagens de Che Guevara numa nota cubana e de um Maradona quase adolescente. O poder dos mitos. Que demoram a morrer. Talvez apego demais ao passado.

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Almocei com a única argentina vegetariana da história do país. Comemos huamaca, um prato do norte, fronteira com Bolívia. É uma espécie de bolho de milho e queijo, vem embrulhado numa folha. Gostei.
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