terça-feira, junho 14, 2005

Para Quem Tem Paixão


Tom e Vinicius compondo Orfeu Posted by Hello


Na onda do interlúdio literário, reli nos últimos dias "O Poeta da Paixão", bela biografia de Vinicius de Moraes escrita pelo jornalista José Castello. O livro é um banquete à base de palavras essenciais - poesia, paixão, amor, amizade, Brasil. Meu entusiasmo transbordou e Vinicius foi tema de vários papos com os colegas de trabalho. A gente nunca conseguirá celebrá-lo tanto como ele merece.

O que mais destacamos foi o poetinha como símbolo de outra época, "desse Rio de amor que se perdeu" para usar os versos do próprio, no qual os meios jornalísticos e artísticos fervilhavam. Parece que todo mundo era amigo e se estimulava mutuamente: Vinicius, Bandeira, Jobim, Rubem Braga, Nelson Rodrigues, João Cabral. Tomemos por exemplo a estréia de "Orfeu da Conceição" em 1956. A peça: Vinicius. A música: Tom Jobim. O cenário: Oscar Niemeyer. Para ficar só nos medalhões.

Castello não aborda muito o envolvimento do poeta com a política, mas o essencial está lá: a juventude ligada aos grupos religiosos conservadores e a virada para a esquerda após o primeiro casamento e a Segunda Guerra Mundial, a oposição à ditadura militar, a ruptura com os padrões clássicos dos intelectuais para uma vida de showman da música popular, incluindo um exílio meio hippie na Bahia.

Mas claro que o principal na vida de Vinicius são as mulheres. Nove casamentos e Deus sabe quantos namoros, flertes, ficadas, etc. Ninguém se torna o maior sonetista em língua portuguesa desde Camões sem um tremendo manancial de inspirações. O outro lado da história é seu alcoolismo e seus surtos de depressão. No fundo, um homem bem mais sombrio do que a imagem usual. O site oficial do poetinha está muito bom e vale visitá-lo e deixá-lo na lista de favoritos.

Nesta assim chamada "terça-feira negra" para o governo, pensei no que Vinicius fez ao saber do AI-5. Interrompeu um show em Portugal e anunciou à platéia o que ocorria no Brasil. Depois recitou o poema "Pátria Minha". Aqui vão alguns trechos:

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
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