Memórias do Desenvolvimento
Furtado com o presidente Goulart
Encontrei na biblioteca do IUPERJ a obra autobiográfica de Celso Furtado. Na edição estão incluídos vários livros e textos, os mais interessantes são "A Fantasia Organizada" e "A Fantasia Desfeita".
Furtado foi um dos nomes mais expressivos da República de 1946, a geração que enfrentou o desafio do desenvolvimento econômico e da expansão da democracia, no díficil contexto do ínicio da Guerra Fria e da crise do populismo. O economista foi também um intelectual de primeiríssima linha que encarou o desafio de pensar nosso país de maneira autônoma e original.
"A Fantasia Organizada", cobre o período de 1945 a 1955 e é o melhor das memórias. É quase um romance de formação, a saga de um rapaz do interior da Paraíba que faz sua estréia no mundo ao servir como oficial da FEB na Segunda Guerra Mundial. Suas descrições da Itália e da França devastadas pelo conflito são muito boas – a edição inclui o belo livro de contos que Furtado escreveu sobre sua experiência na guerra, com trechos dignos de um Band of Brothers à brasileira.
Depois da guerra, o doutorado em Paris e as dores do parto da nova Europa - análise política e social das mais argutas que li. A volta para o Brasil conservador do governo Dutra é um anti-climax, e Furtado aproveitou uma oportunidade para se juntar a um recém-criado (e meio desacreditado) órgão da ONU, a Comissão Econômica para a América Latina. Ninguém levava muita fé na CEPAL e a narrativa de como a instituição se transforma no principal centro de políticas do desenvolvimento do mundo é primorosa, certamente usarei muitas dessas informações com meus alunos. Claro que a figura em destaque é a do economista argentino Raul Prebisch, que entrou na comissão quase por acaso.
O segundo livro, "A Fantasia Desfeita", é menos interessante, apesar de cobrir o período em que Furtado foi assessor de três presidentes - JK, Jânio e João Goulart - um pouco no BNDE, muito na SUDENE, que ele vê como sua principal obra. Me surpreende a boa relação que Furtado manteve com Jânio Quadros, a quem se refere com admiração, mas senti falta de uma análise mais detalhada dos conflitos que levaram ao golpe de 1964, que encerram o livro.
Ler Furtado neste início de século XXI é constatar que o debate sobre desenvolvimento se empobreceu muito. Os argumentos do governo dos EUA e das instituições de crédito internacional não mudaram muito em 50 anos, o que se alterou foi a capacidade do Estado em apresentar propostas e tocar projetos. Mas não acho que seja impossível a retomada dessas discussões, em particular pela via da integração da América do Sul, talvez o campo que mais avançou recentemente.
1 Comentarios:
Salve, meu caro.
Repare que Castro e Santos também são nordestinos. As tensões da região realmente levam o cara a pensar. Quanto ao FHC, acho que ele foi coerente com o que escreveu sobre desenvolvimento desde os anos 50: a fraqueza política dos industriais brasileiros, a elite que se comporta como sócia minoritária do capital externo... O que ninguém esperava é que os tucanos fossem implantar esse programa.
Conheço e adoro o livro do Ricardo. É um dos melhores que li na área. Vale também checar o "Dependent Development", do Peter Evans.
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