terça-feira, março 15, 2005

Matriarca

Minha tia-avó Carmela era uma candidata improvável à matriarca dos Santoro. Durante muito tempo ela estava em segundo plano, ofuscada pela personalidade forte da minha avó. Mas com o passar dos anos e a morte dos outros irmãos, ela sobreviveu para ser o único elo da família com os "velhos tempos".

Não tenho certeza, mas acho que tia Carmela foi a primeira Santoro a nascer no Brasil, o que por si só a torna um símbolo para todos nós. Além disso, gerou uma vasta prole - quatro filhos e um número de netos e bisnetos. Quando nos reunimos para as festas, vê-los todos juntos dá uma sensação forte de estabilidade e continuidade (quatro gerações!), muito embora um lado de mim saiba que a atitude correta seria chamar a polícia e prender metade daqueles cretinos.

A tia destoa do resto da família pela aparência. Ao invés dos traços escuros do Mezzogiorno italiano, ela e os seus têm feições claras, com cabelos louros e olhos azuis ou verdes, característicos do norte do país. Coisa curiosa, pois mesmo o seu irmão gêmeo era bem moreno. Talvez seja um gene recessivo ou então minha bisavó andou de simpatias por algum compatriota setentrional. O fato é que formou o ramo mais bonito dos Santoro, duas de suas netas inclusive se tornaram modelos profissionais.

Como era tradicional nas mulheres de sua geração, tia Carmela teve pouca instrução formal e viveu para a casa e os filhos. Acrescente-se ao pacote um marido mulherengo e trapaceiro que aprontou tramas inacreditáveis, parte do folclore da família - como inventar uma concessão de petróleo na Bahia e perder alguns (plural) apartamentos para amantes. Mas a tia sobreviveu a tudo isso com um estilo e uma serenidade que são verdadeiramente fenomenais. O tal gene recessivo devia ser de um conde normando.

Dificilmente ela terá uma sucessora. Minha mãe é rígida demais para o cargo, minha tia está no extremo oposto. Minhas primas não têm estabilidade emocional nem para brincar de casinha, quanto mais para reger uma família tão complicada. Eu estou ocupado bancando o acadêmico arrogante, papel que me cai bem e que exerço com a dedicação de um assassino de romance policial inglês. Creio que sobrará para meu irmão. Já é o consultor jurídico dos nossos e tem tudo para ser o futuro Dom Santoro, instaurando um patriarcado.

Mas hoje celebraremos o aniversário de 80 e muitos anos da nossa matriarca. O futuro fica para depois.

4 Comentarios:

Blogger Leandro Bulkool said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Meu amigo,

Tai uma coisa que nunca imaginei. Seu irmão como o Don Santoro. Sempre o vi como aquele mais afastado da família, que seguia carreiras sem muita ligação com os Santoros.

Mas talvez seja algo como Michael Corleone.

março 15, 2005 11:00 AM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Dom Leandro,

a comparação do Márcio com Michael é ótima. Até na Máfia de vez em quando se precisa de um rosto novo para assumir os negócios.

Mas meu fratello já lidera a Ala Moça da Família, em que todo mundo estuda Direito.

Nesta produção, ficarei com o papel de Tom Hagen - um consigliere, dando um toque aqui e ali.

março 16, 2005 10:27 AM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Olha, não é nada pessoal com relação ao seu irmão, mas sou contra instaurar um patriarcado na família. Sua tia daria uma matriarca do tipo "rainha de copas"!

bjs, Leticia

março 16, 2005 7:07 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Letícia,

Minha tia anda muito ocupada para reger a Família. O hobby dela agora é comprar DVDs piratas, que em geral não funcionam, daí ela pede ajuda ao meu irmão. Se ela virar rainha de Copas, corro atrás do primeiro coelho maluco que aparecer e atravesso o espelho em busca de um pouco de paz.

março 17, 2005 10:38 AM  

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