quarta-feira, novembro 29, 2006

Facundo


Imaginem como seria o Brasil se Euclides da Cunha, após escrever "Os Sertöes", se tornasse presidente da República e implementasse o melhor sistema de educaçäo pública do continente. Essa é uma analogia para entender o papel de Domingo Faustino Sarmiento na política argentina, em especial a partir de sua obra-prima, "Facundo".

Sarmiento fez parte da oposiçäo ao caudilho Juan Manuel de Rosas, que foi o líder político do país durante mais de duas décadas, no contexto turbulento da guerra civil entre unitários e federais. Sarmiento se exilou no Chile enquanto Rosas aprofundava o autoritarismo e desenvolvia uma política externa täo conflituosa que ao fim foi derrubado por uma coalizäo onde metade dos soldados eram do Império do Brasil.

Foi no exílio que Sarmiento escreveu "Facundo", que num primeiro olhar é a biografia do caudilho Juan Facundo Quiroga (o sujeito da imagem), um tirano que se apoderou da província de La Rioja e foi aliado de Rosas. Na realidade, o livro é muito mais do que isso: uma análise brilhante, e äs vezes cruel, das condiçöes sociais que levaram à instabilidade política e à violëncia na Argentina da primeira metade do século XIX.

Facundo é visto por Sarmiento como a personificaçäo dessas tendëncias selvagens, num contraste - por vezes muito forçado - entre civilizaçäo e barbárie, cidade e campo. Ao longo do livro, a figura de Facundo se confunde com a de Rosas, em termos políticos a obra é um panfleto poderoso contra este último.

É também um programa político de reforma: educaçäo, livre comércio, imigraçäo européia e reforma agrária. Sarmiento se tornou presidente cerca de 20 anos depois da publicaçäo do livro. Colocou quase toda sua agenda em prática, menos a distribuiçäo das terras, que nunca conseguiu a aprovaçäo da elite rural.

A ironia da história é que quando Sarmiento era presidente, foi publicado na Argentina o "Martin Fierro", de Jose Hernandéz. É uma ode ao gaucho, ao peäo do campo, o mesmo tipo social atacado por Sarmiento. Àquela época, um modo de vida já em extinçäo diante da modernizaçäo agrícola e da imigraçäo massiva.

"Facundo" e "Martin Fierro" continuam lado a lado como grandes clássicos da literatura argentina, embora expressem visöes distintas e talvez incompatíveis.

5 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Maurício, como estão as previsões para a próxima eleição aí na Argentina? Cristina Kirchner na cabeça?

novembro 30, 2006 2:17 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Caro Paulo,

por enquanto os debates mais quentes dizem respeito à situaçäo nas províncias. Em Misiones, o governador peronista foi derrotado na sua intençäo de aprovar um projeto de reeleiçäo sem limites e o vice-presidente acabou de ser indicado por Kirchner para disputar na província de Buenos Aires.

Todo mundo sabe que em 2007 o candidato do peronismo será um Kirchner, mas ainda há dúvidas se será o próprio presidente ou sua mulher, a senadora Cristina. A vitória deles nas eleíçöes parlamentares de 2005 foi muito grande, consolidaram-se como os líderes do partido e da política argentina.

Abraços

novembro 30, 2006 5:41 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Bem, Julio, nao sei se eh um consolo para o seu amigo, mas Facundo tambem eh o nome do protagonista de uma das novelas de mais sucesso na Argentina...

Abracos

dezembro 03, 2006 5:50 PM  
Blogger Jossiane said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Olá Maurício, descobri o seu blog por acaso, pois estava fazendo uma pesquisa na internet sobre Facundo e acabei me deparando com o blog. Ele me ajudou muito a entender o livro de Sarmiento. Sou estudadnte de Letras com ênfase em Espanhol e estou estudando Literatura Hispanoamericana. Espero que você continue postando estudos interssantes como esse.

outubro 05, 2008 9:07 PM  
Blogger Serpentina EsKarlate said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Me desculpe, mas vc colocou apenas um ponto de vista em sua análise. O projeto de modernidade na AL foi cruel com determinadas classes sociais e uma delas foi a dos gauchos, usados tanto pelos Federales (Rosas) quanto pelos Unitarios (Sarmiento). Vc elogiou cegamente a visão míope e mais que politicamente interessada do Sarmiento. Veja bem: não que eu esteja defendendo os caudilhos. Isso dá um debate interessante.

outubro 16, 2008 10:41 AM  

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