Argentina Latente
No La Nación desta quinta há um artigo que fala sobre a necessidade de ter trës vidas para poder aproveitar todas as oportunidades culturais de Buenos Aires. Ë assim que me sinto. Ontem foi Dia da Música e houve apresentaçöes em vários locais da cidade. Assisti a um ótimo quinteto de cordas na praça San Martin. O programa foi de Mozart e Schubert a Gardel.
Depois segui ao Centro Cultural San Martin (que apesar do nome, fica na Avenida Corrientes, a uns 20 minutos de caminhada da praça) e vi a pré-estréia do documentário "Argentina Latente", de Fernando Solanas. É o terceiro episódio de uma série de quatro sobre o estado atual do país. Os dois primeiros foram "Memória do Saque" (sobre o caminho para a crise de 2001) e "A Dignidade dos Ninguéns" (sobre os novos movimentos sociais).
Solanas exibiu ontem cerca de 30 minutos do novo filme, que ainda está sendo finalizado. O foco agora säo os potenciais humanos e científicos da Argentina, algo muito forte num país que apesar de tudo ainda tem um bom sistema educacional. Os trechos mostrados falavam do esforço para reerguer a indústria naval e de um grupo de trabalhadores numa "fábrica recuperada", isto é, assumida pelos funcionários após falëncia financeira.
Em ambos os casos havia uma vinculaçäo muito forte da luta atual com o passado recente, de resistëncia aos desmandos do Menemismo e, mais ainda, ao terror de Estado durante a ditadura militar. Os entrevistados choraram em tela ao relembrar o período autoritário e depois, ao se apresentaram ao público, foram às lágrimas novamente. Muitos fizeram o mesmo na platéia. O momento mais emocionante foi quando um rapaz que tem minha idade contou que seus pais foram assassinados pelos militares e descreveu as torturas que eles sofreram.
Aqui nunca é possível esquecer que houve uma ditadura no país. É um constraste forte com relaçäo ao Brasil. Claro, aqui foram 30 mil mortos, uma política econömica desastrosa, a guerra das Malvinas e um sério conflito de fronteiras com o Chile. Traumas nacionais.
O público de Solanas é uma minoria militante e aguerrida, mas de modo algum isto é representativo do estado atual dos argentinas. O próprio cineasta comentou que seus filmes ficam poucas semanas em cartaz e criticou a apatia do país diante da persistëncia da corrupçäo e do autoritarismo.
Para mim, fica a marca das contradiçöes. O mesmo país onde se escuta Mozart nas praças também tortura e mata toda uma geraçäo de líderes potenciais. E a repressäo social continua. Ontem a prefeitura de Buenos Aires começou a impor uma lei para restringir a entrada de catadores de papel na cidade. O pretexto é a probiçäo de veículos de traçäo animal, mas me parece que o fator-chave é a segregaçäo na periferia da populaçäo mais pobre.
Mas concordo com Solanas que o potencial latente da Argentina é enorme, é torcer para que os hermanos consigam desenvolvë-lo.
2 Comentarios:
Maurício, sem medo de puxa-saquismo, tenho aprendido mais sobre a Argentina através do seu blog do que durante toda a minha época de escola/universidade. Aliás, assiti a um documentário assustador outro dia, "Hitler's Gold" (ou algo assim) sobre a importância dos fugitivos nazistas no Estado argentino.
Obrigado, Paulo. Para mim está sendo uma experiëncia riquíssima. Inclusive em termos da América do Sul, e näo só da Argentina.
forte abraço
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