A Antropologia de América
O espectador de novelas é antes de tudo um forte. “América”, além de nos presentear com alguns dos momentos mais brilhantes da vida cultural brasileira, também fornece lições de antropologia que colocam Glória Perez no mesmo nível dos grandes intérpretes da diversidade humana, como Levy-Strauss, Malinóvski, Darcy Ribeiro etc.
Tomemos Ed (Caco Ciocler) como exemplo. Tem minha simpatia por ser o único personagem da novela, quiçá da TV brasileira, que é visto com livros. Uma amiga antropóloga me contou: Ed disse a Sol que por ser filho de antropólogo tinha adquirido sensibilidade para outras culturas, facilitando assim o amor dos dois. Essa abertura ao Outro teria vindo quando o rapaz acompanhava as viagens de escavação do pai em terras exóticas.
“Minha cara, perdoe minha ignorância sobre uma ciência social irmã, mas escavação não é tarefa dos arqueólogos?”
“Sim, mas para a Glória Perez é tudo a mesma coisa, tudo Indiana Jones.”
O talento analítico da novelista também aparece em outras situações, como a descrição etnográfica de povos estrangeiros. Graças a ela aprendi que mexicanos e cubanos têm o português como língua materna e usam a expressão “pela Virgem de Guadalupe!” para pontuar as pausas entre palavras, mais ou menos como fazemos no Brasil com as vírgulas.
Os americanos – que segundo Perez, também falam português como idioma básico – são alvo de observações igualmente precisas. Em geral são enunciadas pelos personagens que já vivem em Miami há muitos anos e dizem em tom didático “O americano é assim, o americano faz assado.” Conheço alguns americanos, assim como brasileiros, italianos, argentinos, indianos. Graças aos telejornais, até sei que existem iraquianos. Mas nunca encontrei “o americano”. Vai ver porque ele estava na figuração do Projac.
Além de contribuir para a compreensão entre os povos, “América” também nos ajuda a apreciar a riqueza cultural dos brasileiros mais desvalidos. Me emociono com as seqüências dos bailes funks freqüentados pelas patricinhas liderada pela rebelde Raíssa (Mariana Ximenes). Quer dizer, devem ser festas meio chatas porque em todas elas só toca a mesma música - “É som de preto / de favelado / mas quando toca, ninguém fica parado.” O ritual se funda na repetição, ensinam os antropólogos.
Minha seqüência favorita da semana foi a polícia americana prendendo Sol graças a um chip implantado sob sua pele, cujo localizador foi acionado pelo Google Earth e ainda rendeu um sermão antropológico sobre como “o americano” quer colocar um igual nos filhos, para controlá-los.
Boa sorte para Sol. Mas será difícil. Você confiaria na liberdade de alguém que tem o Víctor Fasano como advogado? E ele ainda arranja tempo para ser Secretário Especial de Defesa dos Animais do Rio de Janeiro!
4 Comentarios:
Beleza professor, mas a audiência na sua residência continua alta devido a uma curiosidade antropológica crítica, certo?
Fórmula de novela da Glória Perez:
Crie um núcleo suburbano, arrume um povo bagunçeiro e caricato (cigano, árabe, mexicano)misture com uma heroína sem sal (Déborah Secco, Cristiana Oliveira, Letícia Sabatella, etc) finalize com um galã canastrão (como o saudoso cigano Igor) e salpique de temas pseudo-polêmicos (clonagem, transplante de coração, etc.)
Tenho uma amiga antropóloga que também faz trabalho de arqueologia. Favor não confundir com antopóloga.
Meus caros,
é claro que meu interesse na novela é puramente antropológico! Afinal, sou um dou-to-ran-do e não tenho tempo de ver TV, estou muito ocupado lendo Weber e Tocqueville.
Paulo, a fórmula está ótima. Pena que o Cigano Igor não participa, mas o Murilo Benício e aquele cara que fez o Expedito são páreo duro.
Abraços
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