domingo, setembro 12, 2004

Apartheid Blues

O apartheid não acabou. Seria ilusão pensar que em apenas 10 anos, desde a libertação de Mandela e a democratização da África do Sul, um sistema que durou meio século estaria destruído. Brancos e negros trabalham juntos, mas sente-se uma certa tensão no ar e ocasionalmente um branco manifesta opiniões abertamente racistas - um dono de lanchonete disse a algumas brasileiras que os negros eram uns animais que comiam com as maõs e que ele só se mantinha vivo porque tinha armas.

Os negros na África do Sul são muito orgulhosos de sua história de resistência e falam o tempo todo sobre os pontos altos desse processo - o massacre de Sharpville, os conflitos em Soweto. Visitar o Museu do Apartheid é experimentar intensamente esse legado de heroísmo. Ao comprar o ingresso, o visitante é classificado como "branco" ou "não-branco", com entradas separadas. Era incrível ver os latino-americanos (todos carimbados como não-brancos, salvo uma ou outra argentina) apavorados com isso, com medo de não encontrar os colegas dentro do museu.

A arquitetura lembra uma prisão ou campo de concentração. A exposição é muito bem montada, com vídeos, fotos, armas, depoimentos e testemunhos. Conta desde as primeiras leis de segregação, no início do século XX, até seu colapso. O apartheid foi obra principalmente dos colonos de ascendência holandesa, os afrikaners, que curiosamente haviam sido uma das primeiras vítimas dos campos de concentração durante a Guerra dos Boêres (c.1905) contra os ingleses. A visita é tocante, mas não deprimente, porque termina como uma celebração da liberdade e do espírito guerreiro. Amandla! (algo como força ou garra), como dizem os sul-africanos.

Fora de seus muros, a cidade e o país continuam divididos. Os negros ascendem lentamente à classe média e às posições de poder. A maior parte dos profissionais negros de nível superior são imigrantes de outros países africanos (só do Zimbabwe são 3 milhões). Nos próprios eventos públicos da conferência tivemos a preocupação de colocar brasileiros negros como oradores - muito embora os organizadores do evento fossem todos brancos...

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