terça-feira, fevereiro 21, 2006

Ponto Final


Os filmes de Woody Allen são principalmente comédias estreladas por intelectuais neuróticos da classe média de Nova York, ao som de jazz. "Ponto Final" é um drama protagonizado pela elite britânica e suas referências estão na tragédia, na ópera e em Dostoiévski. De comun à obra de Allen, só a impecável direção de atores e a influência da trilha sonora na condução do enredo.

O personagem principal é Chris (Jonathan Rhys-Meyers), um jovem talentoso de origem pobre. Ele trocou uma carreira de tenista profissional para lecionar o esporte num clube de ricos. Lá se torna amigo de um rapaz que o apresenta a sua família, introduzindo Chris a um mundo de conforto e privilégios. A ascensão do rapaz é meteórica: casa-se com a irmã do amigo, ganha um emprego como executivo na empresa de um sócio do sogro. Tudo em sua vida vai muito bem. Mas como nas tragédias e nas óperas, a paixão derruba qualquer pretensão humana em racionalizar e administrar a existência.

Um torpedo hormonal chamado Nola (Scarlett Johansson) , a noiva de seu cunhado, tira Chris do sério e ameaça destruir a posição de riqueza que ele conquistou. Dividido entre amor e estabilidade, Chris parte para uma decisão radical, numa situação semelhante a de "Crime e Castigo", de Dostoiévski, romance que ele lê no início do filme.

Para o velho Dostoiévski, se não existisse imortalidade da alma, tudo seria permitido. Mas seus angustiados personagens se recusam a viver num mundo sem Deus e são atormentados pela culpa. No filme de Woody Allen, as principais referências existenciais são o consumo - roupas, carros, filmes, arte, viagens. Há pouco espaço para uma ética que vá além da família que se protege. Tudo é permitido. Até por isso, o acaso ganha força e no fundo decide a trama.

O roteiro é muito bom, embora tenha alguns furos e o retrato da classe alta britânica tenha me parecido muito esteriotipado. Mas garanto que você não pensará em nada disso quando vir Scarlett Johansson. Que ela é deslumbrante, todo mundo sabia. "Mas uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza, qualquer coisa que chora, qualquer coisa que sente saudades", trovava mestre Vinicius de Moraes. Esse algo além é a matéria da qual são feitas as estrelas de cinema, e Allen conseguiu encontrá-lo em sua nova musa. Scarlett filmará outros dois filmes com o diretor. Quem sabe ele fique menos neurótico.

3 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Sim, os personagens são bastante estereotipados - os pais aristocráticos, liberais e blasé; a mocinha inocente e apaixonada, incapaz de ver os defeitos do amado; o milionário playboy que não leva nada a sério; etc etc etc. Mas achei o roteiro inspirado, com ótimas sacadas. Gostei bastante. :)

fevereiro 21, 2006 1:37 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Querida Nica,

você é nossa observadora in loco sobre o estilo de vida britânico, mas bem que desconfiei daquela representação à la ilha de Caras. Mas sem dúvida é um filme interessante. Se der tempo por estes dias de Carnaval, assistirei à nova versão de "Orgulho e Preconceito". Bjs.

fevereiro 21, 2006 4:57 PM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Quando vir a nova versão do clássico de Jane Austen, repare no bico da Keira Knightley - ela afirmou numa entrevista à Elle inglesa que tinha gente no set cujo trabalho era apenas avisá-la quando ela estivesse fazendo caras e bocas! Acho que não adiantou muito, mas me diz o que você acha depois. ;)

fevereiro 22, 2006 12:51 PM  

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